V. Biografias de Spinoza: Lucas
A Vida e o espírito do senhor Benoit de Spinosa [1]
[Por Lucas] [2]
Tradução de Emanuel Angelo da Rocha Fragoso (Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e Professor de Ética na Graduação e no Mestrado em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará - UECE).
Ainda que por falta de um bom pincel,
não se tenha desenhado do famoso Spinosa os traços,
em sendo a sabedoria imortal,
seus escritos não morrerão jamais [3]
Advertência [4] do [Editor] [5]
Não há talvez nada que dê aos espíritos fortes um pretexto mais plausível de insultar a religião, do que a maneira com que seus defensores os tratam. Por um lado, eles consideram suas objeções com extremo desprezo, e por outro, eles solicitam com o mais ardente zelo a supressão dos livros que as contém, por considerá-los tão desprezíveis.
É preciso admitir que este procedimento prejudica a causa que eles defendem. Com efeito, se estavam seguros de sua bondade, temeriam eles que ela sucumbisse se fosse sustentada somente por boas razões? E se estavam plenos da firme confiança que inspira a verdade àqueles que combatem por ela, recorreriam às falsas vantagens e às más vias para fazê-la triunfar? Não se fundamentariam unicamente sobre sua força; e seguros da vitória, não se exporiam eles de boa vontade ao combate do erro com armas iguais? Aprenderiam eles a deixar a todo mundo a liberdade de comparar as razões de ambas as partes e de julgar por esta comparação, de que lado está a vantagem? Negar esta liberdade, não é dar lugar aos incrédulos de imaginarem que suas argumentações são temidas e que seria mais fácil suprimi-las do que fazer ver a falsidade?
Mas ainda que eles estejam persuadidos de que a publicação daquilo que escrevem de mais forte contra a verdade, longe de negá-la, serviria, ao contrário, para tornar seu triunfo mais espetacular e seu fracasso mais vergonhoso, eles, no entanto não ousaram ir contra a corrente, tornando pública La vie et l’Esprit de Monsieur Benoit de Spinosa.
Tiramos tão poucos exemplares que a obra não será menos rara do que se tivesse permanecida manuscrita. Foram às hábeis pessoas capazes de refutá-la que tivemos o cuidado de distribuir este pequeno número de exemplares. Não duvidamos em absoluto de que seguirão combatendo o autor deste escrito monstruoso e que eliminarão completamente o sistema ímpio de Spinosa, sobre o qual estão fundados os sofismas de seu discípulo. É este o objetivo que nos propomos ao mandar imprimir este Tratado, no qual os libertinos vão colher seus argumentos capciosos.
O damos sem nenhum corte nem polimento, afim de que esses senhores não digam de forma nenhuma que atenuamos as dificuldades para tornar a refutação mais fácil. Aliás, as injúrias grosseiras, as mentiras, as calúnias, as blasfêmias, que nele lemos com horror e execração, se refutam suficientemente por si mesmas e não podem mais do que voltarem para a confusão daqueles que as lançaram com tanta extravagância quanta impiedade.
Prefácio do copista [6]
Baruch ou Benoit de Spinosa se tornou um nome tão pouco honrado no mundo quanto à sua doutrina e à singularidade de seus sentimentos em termos de religião que, como diz o autor de sua Vie no começo desta obra, é necessário se esconder, quando vamos escrever sobre ele ou em seu favor, com tanto cuidado e com tanta precaução, como se fossemos cometer um crime. Entretanto, nós não acreditamos que devamos fazer mistério e não confessar que copiamos este escrito segundo o original, [do qual a primeira parte trata da vida desse personagem e a segunda fornece uma idéia de seu caráter.] [7]
O autor deste é de fato desconhecido, ainda que pareça ter sido composto por um de seus discípulos, como se explica muito claramente! Entretanto, se fosse permitido afirmar algo fundamentado sobre conjecturas, poderíamos dizer, e talvez com certeza, que toda a obra é de fato do falecido senhor Lucas, tão famoso [nessas províncias] [8] por suas Quintessências; mas, ainda mais por seus costumes e sua maneira de viver.
Seja como for, a obra é rara o bastante para merecer ser examinada por pessoas de caráter. E é com esta única intenção que nos empenhamos em fazer uma [9] cópia. Eis todo o objetivo a que nos propomos, deixando aos outros o cuidado de fazer as reflexões que julguem oportunas propor [10].
A Vida do [falecido] [11] Senhor de Spinosa
Por um de seus discípulos
1. [12] Nosso século é muito esclarecido, mas nem por isso é mais equitativo em relação aos grandes homens. Embora lhes devam suas mais belas luzes, e dessas se aproveitam por sorte, não podem suportar que os louvem, seja por inveja ou por ignorância; e é surpreendente que se faça ocultar, para escrever sua vida, como se faz para cometer um crime; particularmente se esses grandes homens se tornaram célebres por vias extraordinárias e desconhecidas das almas comuns. Por que então, sob o pretexto de fazer honrar as opiniões recebidas, por mais absurdas e ridículas, eles defendem sua ignorância, e sacrificam as mais sadias luzes da razão, e por assim dizer, a própria verdade? Porém, por mais risco que alguém corra nesta carreira tão espinhosa, eu teria bem pouco proveito da Filosofia desse [grande homem] [13] de quem eu empreendo escrever a vida, e as máximas, se temesse engajar-me. Eu receio pouco a fúria do povo, tendo a honra de viver numa república que deixa aos seus sujeitos a liberdade de sentimentos, e na qual os próprios desejos seriam inúteis para sermos felizes [e tranquilos] [14], se as pessoas de comprovada probidade não fossem vistas sem ciúmes.
Se esta obra, que consagro à memória de um ilustre amigo, não for aprovada por todo mundo, pelo menos que a seja por aqueles que amam somente a verdade e que tenham alguma espécie de aversão ao vulgar impertinente.
I. Juventude e excomunhão [15]
2. Baruch de Spinosa era de Amsterdã, a mais bela cidade da Europa, e de origem muito medíocre. Seu pai, que era judeu [de religião] [16] e português [de nação] [17], não tendo o meio para desenvolvê-lo no comércio, resolveu lhe fazer aprender as letras hebraicas. Esta espécie de estudo, que é toda a ciência dos judeus, não era capaz de satisfazer um espírito brilhante como o seu. Ele não tinha quinze anos e já formulava dificuldades que os mais doutos entre os judeus resolviam a duras penas. E embora uma juventude tão grande não seja quase nada para a idade do discernimento, já era suficiente para ele se aperceber de que suas dúvidas embaraçavam seu mestre. Com medo de irritá-lo, ele fingia estar muito satisfeito com suas respostas, contentando-se em escrevê-las para delas se servir em tempo e lugar mais adequados. Como ele não lia nada além da Bíblia, tornou-se logo capaz de não necessitar mais de intérprete. Ele fazia reflexões tão corretas que os rabinos somente lhe replicavam como os ignorantes que, vendo sua razão exaurir-se, acusam àqueles que lhes pressionam demais, de ter opiniões pouco conforme a religião. Tão estranho procedimento lhe fez compreender que era inútil instruir-se com a verdade. “O povo não a conhece; aliás, acreditar cegamente nos livros autênticos é”, dizia ele, “muito amar os velhos erros” [18]. Resolveu então consultar somente a si mesmo, mas não poupando nenhum cuidado para descobri-la. É necessário ter o espírito grande e de uma força extraordinária, para conceber, aos vinte anos, um projeto desta importância. Com efeito, ele logo fez ver que não tinha nada empreendido temerariamente: porque começando a ler a Escritura toda de novo [19], ele penetrou sua obscuridade, dando a conhecer os mistérios, e revelando a luz através das nuvens, atrás das quais tinham lhe dito que a verdade estava escondida.
Após o exame da Bíblia, ele leu e releu o Talmude com a mesma exatidão. E como não tinha ninguém que o igualasse na compreensão do hebreu, ele não encontrou nada difícil, nem nada também que o satisfizesse. Mas ele era tão judicioso, que quis deixar amadurecer seus pensamentos antes de aprová-los.
3. Contudo, Morteira, homem célebre entre os judeus, e o menos ignorante de todos os rabinos de seu tempo, admirava a conduta e o gênio de seu discípulo. Ele não podia compreender que um jovem com tanta perspicácia fosse tão modesto. Para conhecê-lo a fundo, ele o testou de todas as maneiras, e admitiu, depois, que jamais encontrou nada a repreender, tanto em seus costumes, quanto na beleza de seu espírito. A aprovação de Morteira aumentou a boa opinião que se tinha de seu discípulo, não a ponto de lhe causar vaidade. Apesar de tão jovem, por uma prudência precoce, ele pouco se apoiava na amizade ou nos elogios dos homens. Além disso, o amor à verdade era de tal modo sua paixão dominante, que ele não via quase ninguém. Mas, qualquer precaução que tomasse [para se esquivar dos outros] [20], há encontros que não se podem honestamente evitar, embora sejam eles freqüentemente perigosos.
4. Entre os mais ardentes [e os mais dedicados] [21] em estabelecer relações com ele, dois jovens, que se diziam ser seus amigos mais íntimos, suplicaram para que ele lhes dissesse seus verdadeiros sentimentos. Eles lhe mostraram que [quaisquer que fossem ele não teria nada a temer da parte deles, a curiosidade tinha como único objetivo esclarecer suas dúvidas] [22]. O jovem discípulo, surpreendido por um discurso tão pouco visto, ficou algum tempo sem responder-lhes; mas, vendo-se acossado [por sua inoportunidade] [23] ele lhes disse rindo, que “eles tinham Moisés e os Profetas que eram verdadeiros israelitas, e que eles tinham decidido tudo; que os seguissem sem escrúpulos, se eles eram verdadeiramente israelitas”. “A crer neles”, respondeu um dos jovens, “eu não vejo que haja um ser imaterial, que Deus não tenha nenhum corpo, nem que a alma seja imortal, nem que os anjos sejam uma substância real. O que lhe parece?” Continuou ele, dirigindo-se ao nosso discípulo. “Deus tem um corpo? E existem os anjos? É a alma imortal?” “Eu vejo”, disse o discípulo, “que não encontrando nada de imaterial ou de incorporal na Bíblia, não há nenhum inconveniente em crer que Deus seja um corpo [24], e tanto mais, que Deus sendo grande, assim como fala o [rei] [25] Profeta [26], é impossível de compreender uma grandeza sem extensão, e que, por conseguinte, não seja um corpo. Quanto aos espíritos, é certo que a Escritura não diz de modo algum que sejam substâncias reais e permanentes, mas simples fantasmas, nomeados anjos, porque Deus se serve deles para declarar sua vontade, de tal maneira que, os anjos e toda outra espécie de espírito, somente são invisíveis em razão de sua matéria muito sutil e diáfana, que só pode ser vista como vemos os fantasmas num espelho, em sonhos ou à noite; da mesma maneira que Jacob viu numa escada, dormindo, os anjos subirem e descerem [27]. Eis porque não lemos que os judeus tenham excomungado os saduceus por não terem acreditado em anjos, pois o Antigo Testamento não diz nada de sua criação. Quanto à alma, por toda parte em que a Escritura se refere a ela, a palavra ‘alma’ é empregada simplesmente para exprimir a vida, ou para tudo o que está vivo. Seria inútil procurar nela alguma coisa sobre a qual se possa apoiar sua imortalidade. Pelo contrário, ela está visível em cem lugares, e não há nada mais fácil de provar; mas este não é o tempo nem o lugar de falar disso”. “O pouco que acaba de dizer”, replicou um dos amigos, “convenceria os mais incrédulos. Mas isto não é suficiente para satisfazer teus amigos, que precisam de alguma coisa mais sólida, e acrescente que a matéria é muito importante para ser considerado superficialmente. Nós somente iremos deixá-lo agora com a condição de retomá-la uma outra vez.”.
5. O discípulo, que não procurava outra coisa do que terminar a conversa prometeu tudo o que eles queriam. Mas, na seqüência, ele evitou [cuidadosamente] [28] todas as ocasiões nas quais [ele se percebia que] [29] eles procuravam reatá-la; e se recordando que raramente a curiosidade do homem tem boa intenção, ele estudou a conduta de seus amigos, na qual encontrou tanto a repreendê-los, que rompeu com eles e não quis mais lhes falar.
Seus amigos, ao se aperceberem do desejo que ele tinha, se contentaram em murmurar entre eles, enquanto acreditaram que era para testá-los. Mas, ao se verem sem esperança de poder dobrá-lo, eles juraram se vingar; e para fazê-lo mais sensivelmente, começaram por desacreditá-lo junto à opinião popular. [Publicaram] [30] que “era um abuso acreditar que este jovem pudesse tornar-se um dia um dos Pilares da Sinagoga, que ele parecia mais o seu destruidor, pois tinha somente ódio e desprezo pela lei de Moisés; que eles o haviam frequentado baseados no testemunho de Morteira; mas que tinham reconhecido [31] que era um ímpio, e que era um abuso o rabino ter dele uma boa opinião, seu encontro lhes causava horror.”.
6. Este falso boato, semeado na surdina, tornou-se logo público, e quando viram a ocasião propícia para avivá-lo, fizeram seu relatório aos juízes [32] da sinagoga, aos quais agitaram de tal maneira que [33] eles pensaram em condená-lo sem tê-lo entendido [34].
Passado o ardor do primeiro fogo (os sacros ministros do templo não estão isentos de cólera [como todos] [35]), ele foi intimado a comparecer perante eles. Ele, que sentia que sua consciência não lhe reprovava nada, foi alegremente à Sinagoga, onde os juízes [36] lhe disseram com a face abatida, e como que roídas pelo zelo com a casa de Deus, “que após as boas esperanças que tinham concebido de sua piedade, eles tinham custado a crer no maldoso boato que circulava sobre ele, que o chamaram para saber a verdade, e que era com um aperto no coração que o citavam para dar conta de sua fé; que ele era acusado do [mais negro e do] [37] maior de todos os crimes, que é o desprezo pela lei; que eles desejavam ardentemente que ele pudesse se justificar; mas, se estivesse convicto, não existiria suplício suficientemente severo para puni-lo.”.
Em seguida, eles lhe rogaram a dizer se era culpado; e, quando o viram negar, seus falsos amigos, que estavam presentes, avançaram, depuseram descaradamente que “eles o tinham ouvido ridicularizar os judeus, como gente supersticiosa, nascidos e educados na ignorância, que não sabiam o que é Deus, e que no entanto tinham a audácia de se dizerem seu povo, sem levar em consideração as outras nações. Quanto a lei, ela tinha sido instituída por um homem na verdade mais hábil que eles em matéria de política, mas que não era quase nada mais esclarecido que eles em Física e nem mesmo em Teologia; que com uma onça de bom senso se podia descobrir a impostura, e que era preciso serem tão estúpidos quanto os hebreus do tempo de Moisés, para confiarem neste galante homem.” [38].
7. Isto, acrescido [por seus libertinos] [39] ao que tinha dito de Deus, dos anjos e da alma, [e que seus acusadores não esqueceram de revelar,] [40] abala os espíritos, e lhes fazem gritar Anátema, antes mesmo que o acusado tenha tempo de se justificar. Os juízes [41], animados por um santo zelo para vingar sua lei profanada, interrogam, pressionam, intimidam [42]. Ao que responde o acusado [43], “Que suas caretas lhe causavam piedade, que confessaria o que foi dito no depoimento de tão boas testemunhas, se para sustentá-lo não fosse necessário somente razões incontestáveis.”.
Entretanto, Morteira sendo avisado do perigo em que estava o seu discípulo, correu imediatamente à sinagoga, onde sentou junto aos juízes, e lhe perguntou “se ele se lembrava [44] do bom exemplo que havia lhe dado? Se sua revolta era o fruto do cuidado que teve com sua educação? E se ele não temia tombar entre as mãos do Deus vivo? Que o escândalo já era grande, mas que ainda havia tempo de se arrepender.”.
Depois que Morteira esgotou sua retórica, sem poder abalar a firmeza de seu discípulo, com um tom mais ameaçador, e como chefe da Sinagoga, lhe pressionou a se determinar pelo arrependimento ou pela pena, e assegurou-lhe de excomungá-lo, se não desse agora mesmo provas de arrependimento.
O discípulo, sem se espantar, replicou-lhe que “conhecia o peso de suas ameaças, e que em troca do trabalho que ele tivera para lhe ensinar a língua hebraica, queria também lhe ensinar a maneira de excomungar”. A estas palavras, o rabino em cólera vomitou todo seu fel contra ele, e após algumas frias reprovações, encerra a assembléia, saiu da Sinagoga, e jurou que só voltaria a ela com o raio na mão. Mas, por mais juras que tivesse feito, ele não acreditava que o seu discípulo tivesse a coragem de esperá-lo. Ele se engana em suas conjecturas; a seqüência dos fatos lhe fez ver que se ele estava bem informado da beleza do espírito de Spinosa, ele não estava de sua força. Após o tempo que se empregou para mostrar-lhe o abismo em que estava a precipitar-se tendo passado inutilmente, fixaram o dia para excomungá-lo.
8. No mesmo instante em que soube, ele se dispôs a se retirar, e bem longe de se assustar, disse a quem lhe trouxe a notícia: “Em boa hora! Não se está forçando-me a nada que eu não tivesse feito por mim mesmo, se eu não tivesse temido o escândalo. Mas, já que querem dessa forma, entro com alegria no caminho que me é aberto, com o consolo que minha saída será mais inocente do que foi a dos primeiros hebreus [fora do] [45] do Egito, embora minha subsistência não esteja melhor assegurada do que a deles [46]. Eu não levo nada de ninguém, e de qualquer injustiça que se me façam, posso me gabar que não têm nada a reprovar-me.”.
9. O pouco convívio em geral que teve por este tempo com os judeus o obrigou a fazê-lo com os cristãos, pelo que travou amizade com pessoas inteligentes que lhe disseram do dano que era não saber nem o grego, nem latim, por mais versado que fosse no hebraico, no italiano e no espanhol, sem falar no alemão, no flamengo e no português, que eram suas línguas naturais. Ele compreendia suficientemente por si próprio como lhe eram necessárias estas línguas cultas; mas a dificuldade estava em encontrar o meio de aprendê-las, posto que não possuísse nem bens, nem linhagem, nem amigos nos quais apoiar-se. Como pensava constantemente nisso e comentava com todos, Van Den Enden, que ensinava com sucesso o grego e o latim, lhe ofereceu seus cuidados e sua casa, sem exigir-lhe outro reconhecimento senão o de ajudá-lo durante algum tempo a instruir seus alunos, quando se tornasse capaz de fazê-lo.
10. Entretanto, Morteira, irritado pelo desprezo que seu discípulo manifestava por ele e pela [sua] [47] lei, transformou sua amizade em ódio, e saboreou, fulminando-lhe, o prazer que encontram as almas vis na vingança.
A excomunhão [48] dos judeus não tem nada de muito especial. Todavia, para nada omitir do que possa instruir o leitor, eu citarei aqui as principais circunstâncias. O povo estando reunido na Sinagoga, esta cerimônia que eles denominam de Herem [49], inicia-se acendendo uma grande quantidade de velas negras, e abrindo o Tabernáculo, onde guardam os Livros [Tábuas] [50] da Lei. Após, o coro, situado num lugar um pouco elevado, entoa com voz lúgubre as palavras da execração, enquanto um outro [coro] [51] toca um corno [52], e viram-se as velas para as fazer cair gota a gota em uma cuba cheia de sangue. O povo, animado por um santo horror e uma raiva sagrada à vista deste negro espetáculo, responde amém em tom furioso, e que testemunha os bons serviços que acreditam estar prestando a Deus, se despedaçassem o excomungado; o que sem dúvida fariam se o encontrassem nesse momento lá, ou ao saírem da Sinagoga. Sobre isto, cabe assinalar que o som do corno, as velas viradas, e a cuba cheia de sangue, são circunstâncias que somente se observam em caso de blasfêmia, e que, fora esta, contenta-se em fulminar a excomunhão, como se fez com Spinosa, que não foi acusado de ter blasfemado, mas sim de ter faltado ao respeito com Moisés e com a Lei.
A excomunhão é de tal importância entre os judeus que nem os melhores amigos do excomungado ousariam prestar-lhe o menor serviço, nem mesmo lhe falar, sem incorrer na mesma pena. Assim, aqueles que receiam a doçura do isolamento, e a impertinência do povo, preferem sofrer qualquer outra pena que o Anátema.
11. Spinosa, que tinha encontrado um asilo [53] onde acreditava estar a salvo dos insultos dos judeus, não pensava em outra coisa que avançar nas ciências humanas, na qual, com um gênio tão excelente quanto o seu, não podia duvidar que fizesse em muito pouco tempo um progresso bem considerável.
Entretanto os judeus, transtornados e confusos por ter falhado o golpe, e ver que aquele a quem eles tinham ousado perder, estava fora de seu alcance, imputaram-lhe um crime do qual não haviam podido convencê-lo. Falo dos judeus em geral, pois, ainda que aqueles que vivem do altar não perdoem jamais, não ousaria dizer que Morteira e seus colegas [eram os seus maiores inimigos] [54] fossem os únicos acusadores nesta ocasião. Ter-se subtraído a sua jurisdição, e subsistir sem sua ajuda, são dois crimes que lhes pareciam irremissíveis. Morteira, sobretudo, não podia gostar, nem tolerar que o seu discípulo e ele vivessem na mesma cidade, depois da afronta que acreditava ter sofrido. Mas como fazer para lhe expulsar? Ele não era chefe da cidade, como o era da Sinagoga. No entanto, a malícia é tão poderosa, quando associada a um falso zelo, que este velhote o conseguiu.
12. Eis como ele o fez. Ele se fez escoltar por outro rabino de mesmo temperamento, foi encontrar os magistrados, aos quais representou [55] que se ele tinha excomungado Spinosa, não havia sido por razões comuns, mas por execráveis blasfêmias contra Moisés e contra Deus. Exagerou a impostura por todas as razões que um ódio santo pode sugerir a um coração irreconciliável, e demandou como conclusão, que o acusado fosse banido de Amsterdã.
Vendo o ímpeto [a maneira] [56] do rabino e com qual animosidade ele declamava contra seu discípulo, era fácil julgar que era menos um zelo piedoso que uma secreta raiva que o incitava a se vingar. Assim, os juízes ao se aperceberem disso, procuraram esquivar-se de suas queixas, enviando-as aos ministros. Porém estes, após examinarem o assunto, se sentiram embaraçados. Na maneira que o acusado se justificava, não encontravam nada de ímpio. Por outro lado, o acusador era rabino, e o cargo que ele ocupava os fazia lembrarem-se do seu, de tal forma que, tudo bem considerado, eles não podiam consentir em absolver a um homem, que seu semelhante queria perder, sem ultrajar o ministério. E esta razão, boa ou má, lhes fez dar sua conclusão em favor do rabino. [Tanto é verdade que os eclesiásticos, de qualquer religião que seja, gentios, judeus, cristãos, maometanos, são mais zelosos de sua autoridade do que da equidade e da verdade, e que estão todos imbuídos do mesmo espírito de perseguição] [57].
13. Os magistrados, que não ousaram contradizer-se por razões fáceis de adivinhar, condenaram o acusado a um exílio de alguns meses. Por este meio o rabinismo foi vingado. Mas é verdade que assim foi menos pela intenção direta dos juízes, do que para se livrarem das queixas importunas do mais irritante e do mais incômodo de todos os homens. De resto, esta decisão, bem longe de prejudicar a Spinosa, ao contrário, secunda o desejo que ele tinha de deixar Amsterdã. Tendo aprendido das humanidades [ciências humanas] [58] o quanto um filósofo deve saber, ele tinha a intenção de se desprender da multidão de uma grande cidade, quando vieram inquietá-lo. Assim não foi a perseguição que o expulsou; mas o amor ao isolamento, onde não duvidava em absoluto que encontraria a verdade.
II. Maturidade: de 1661 a 1673
14. Esta forte paixão, que não lhe dava descanso, o fez deixar com alegria [sua pátria] [59] a cidade que lhe havia visto nascer, por um povoado chamado Rijnsburg [60], onde, longe de todos os obstáculos, que só poderia vencer pela fuga, entregou-se inteiramente à Filosofia. Como havia poucos autores que fossem do seu gosto, recorreu as suas próprias meditações, estando determinado a provar até onde elas poderiam desenvolver-se. No que deu uma tão alta ideia da grandeza de seu espírito, que há seguramente poucas pessoas que tenham penetrado tão longe quanto ele nas matérias em que tratou.
15. Permaneceu dois anos neste retiro, onde, apesar de toda precaução que tomasse para evitar qualquer contato com seus amigos, os seus mais íntimos amigos iam vê-lo de tempos em tempos, e somente o deixavam a duras penas. Seus amigos, cuja maioria era composta por cartesianos, lhe propunham dificuldades, que eles pretendiam que não pudessem ser resolvidas a não ser pelos princípios de seu mestre. Spinosa evitou que incorressem num erro em que os sábios estavam então, satisfazendo-lhes com razões inteiramente opostas. Mas, estranho é o espírito do homem e a força dos preconceitos; seus amigos, ao retornarem para suas casas, estiveram a ponto de serem espancados por terem afirmado em público que Descartes não era o único filósofo que merecia ser seguido.
16. A maior parte dos ministros, preocupados com a doutrina deste grande gênio, zelosos do direito, que acreditavam possuir, de serem infalíveis em sua escolha, clamam contra um boato que os ofende, sem nada esquecer do quanto sabem para sufocá-lo na fonte. Mas, apesar de seus esforços, o mal crescia de tal maneira, que estava a ponto de estourar uma guerra civil no império das letras, quando determinaram que se rogasse a nosso filósofo explicar-se abertamente em relação a Descartes. Spinosa, que não queria nada mais do que a paz, concordou de bom grado dedicar-se a este trabalho algumas horas de seu lazer e o fez imprimir em 1663 [61].
Nessa obra, ele prova geometricamente as duas primeiras partes dos Princípios do senhor Descartes, como diz no Prefácio pela pluma de um de seus amigos [62]. Mas, o que quer que tenha dito de bom a respeito do célebre autor, os partidários desse grande homem, para desculpá-lo da acusação de ateísmo, fizeram depois tudo o que puderam para que caísse o raio sobre a cabeça de nosso filósofo, usando nesta ocasião a política dos discípulos de Santo Agostinho [63], que para se lavarem da crítica que se lhes fazia, de se inclinarem para o calvinismo, escreveram contra esta seita os livros mais violentos. Mas a perseguição que os cartesianos incitaram contra o senhor Spinosa, e que durou toda a sua vida, bem longe de abalá-lo, fortificou-o na procura da verdade.
17. Ele imputava a maior parte dos vícios dos homens aos erros do entendimento, e com medo de cair neles, se afunda ainda mais na solidão, deixando o lugar onde estava para ir a Voorburg [64], onde acreditou que teria mais repouso. Os verdadeiros sábios que encontravam algo a questionar, assim que não o viram mais, prontamente o desenterraram, e o sobrecarregaram com suas visitas neste último povoado, como haviam feito no primeiro. E ele, que não era insensível ao sincero amor das pessoas de bem, acedeu à insistência para que deixasse o campo e fosse para alguma cidade onde eles pudessem vê-lo com menos dificuldade. Ele foi habitar então em Haia, que preferiu à Amsterdã, pois o ar lhe era mais saudável, e ali morou o resto de sua vida.
18. De início ele só foi visitado por um pequeno número de amigos, que o faziam moderadamente. Mas este lugar agradável não ficava nunca sem viajantes, que procuravam ver o que merecia ser visto, os mais inteligentes dentre eles, quaisquer que fossem suas condições, acreditavam ter perdido a viajem se não tivessem visto Spinosa. E como os efeitos respondem ao renome, não havia sábio que não lhe escrevesse para ter esclarecidas suas dúvidas. Testemunha disto é o grande número de cartas que fazem parte do livro que foi impresso após sua morte [65]. Mas tanto as visitas que recebia quanto as respostas que devia dar aos sábios que lhe escreviam de toda parte, e suas obras maravilhosas, que fazem hoje nossa alegria, não ocupavam suficientemente este grande gênio. Ele empregava todos os dias algumas horas a preparar lentes para microscópios e telescópios, no que era excelente, de forma que se a morte não lhe tivesse sobrevindo, é de se crer que tivesse descoberto os mais belos segredos da ótica. Ele era tão entusiasmado pela busca da verdade, que, apesar da saúde muito débil e da necessidade de repouso, o fazia, no entanto tão pouco, que ficou três meses inteiros sem sair de casa; até ao ponto de recusar ensinar publicamente na Academia de Heidelberg [66], por medo deste emprego lhe distrair de seu desígnio.
19. Após ter-se esforçado tanto para retificar seu entendimento, não há porque se admirar de que tudo o que tenha produzido é de um caráter inimitável. Antes dele a Sagrada Escritura era um santuário inacessível. Todos os que haviam falado dela, o haviam feito como cegos. Somente ele fala dela como um sábio em seu Tratado de Teologia e Política [67], pois é certo que jamais homem algum conheceu tão bem quanto ele as antiguidades judaicas.
Embora não exista ferida mais perigosa que aquela da maledicência, e nem menos fácil de suportar, jamais se lhe ouviram falar com ressentimento contra os que o despedaçaram. Mesmo com muitos tendo se esforçado por descrever esse livro com injúrias plenas de fel e amargura, no lugar de se servir das mesmas armas para destruí-los, ele se contentou em esclarecer [68] os trechos dos quais eles tinham dado um falso sentido, temendo que sua malícia ofuscasse as almas sinceras. Se esse livro lhe suscitou uma torrente de perseguidores, não foi porque é somente hoje que se interpreta mal o pensamento dos grandes homens, e que a grande reputação é mais perigosa que a má.
20. [Ele teve a vantagem de ser conhecido pelo senhor pensionário J. De Witt, que quis aprender com ele as matemáticas, e que com freqüência lhe dava a honra de consultá-lo sobre matérias importantes.] [69] Mas tinha tão pouco empenho pelos bens da fortuna, que depois da morte do senhor De Witt, que lhe dava uma pensão de duzentos florins [70], depois de mostrar o documento de seu mecenas a seus herdeiros, que alegavam dificuldades em mantê-la, lhes entregou este com tanta tranqüilidade como se tivesse outros fundos com que contar. Esta maneira desinteressada os fez refletirem, e eles lhe concederam com alegria o que tinham acabado de negar-lhe.
E era esta a sua melhor fonte de subsistência, pois do pai não herdara mais do que certos negócios emaranhados. Ou, antes, os judeus com os quais este bom homem tinha negociado, pensando que seu filho não teria a paciência de desfazer os emaranhados, o enredaram de tal maneira, que ele preferiu abandonar tudo, que sacrificar seu repouso a uma esperança incerta.
21. Era tal a sua inclinação a não fazer nada para ser percebido ou admirado pelo povo, que após sua morte, recomendou que não se colocasse o seu nome em sua Moral, dizendo que tais sentimentos eram indignos de um filósofo.
22. Sua reputação era tal que não se falava em outra coisa nos círculos intelectuais. O príncipe de Condé, que estava em Utrecht ao começar as últimas guerras [a guerra de 1672] [71], lhe envia um salvo-conduto com uma carta gentil, para o convidar a ir vê-lo. Spinosa tinha o espírito muito bem formado e sabia bem o que devia a pessoas de tão alto grau, para ignorar neste encontro o que era devido à sua Alteza. Mas como jamais deixava sua solidão a não ser para a ela retornar o mais rapidamente, uma viajem de algumas semanas o deixou indeciso.
Enfim, após algumas delongas, seus amigos o determinaram a pôr-se a caminho. Entretanto, uma ordem do rei de França havia chamado o príncipe a outro lugar; e o senhor de Luxemburgo, que o recebeu em sua ausência, lhe fez mil agrados, e lhe assegurou da benevolência de sua alteza. Esta multidão de cortesãos não surpreende em absoluto nosso filósofo. Ele tinha uma educação mais próxima da corte, que de uma cidade comercial, como aquela em que havia nascido, e da qual podemos dizer que ele não tinha nem os defeitos, nem os vícios. [Ainda que esse gênero de vida fosse inteiramente oposto à suas máximas e a seu gosto, ele se sujeitou a ele com tanta complacência quanto os próprios cortesãos.] [72]
O Príncipe, que queria vê-lo, mandou várias vezes que o esperasse. Os curiosos que o apreciavam, e encontravam sempre nele novos motivos para apreciá-lo, estavam encantados com que sua alteza o obrigasse a esperar. Após algumas semanas, quando o Príncipe comunicou que não poderia retornar a Utrecht, todos os curiosos dentre os franceses se desgostaram; pois, malgrado as ofertas obsequiosas que lhe fez o senhor de Luxemburgo, nosso filósofo no mesmo instante despediu-se deles [e retornou a Haia] [73].
III. Apologia de Spinoza: virtudes e feitos
23. Ele possuía uma qualidade tanto mais estimável quanto que raramente se encontra num filósofo: era extremamente limpo, e jamais saía sem que se notasse em seus trajes o que distingui o homem íntegro do pedante. “Não é”, dizia ele, “este ar sujo e negligente que nos torna sábios; ao contrário”, acrescentava, “esta negligência afetada é a marca de uma alma baixa na qual a sabedoria não se encontra em absoluto, e na qual as ciências não podem engendrar mais do que impureza e corrupção.”.
Não só as riquezas não o tentavam como também não temia as conseqüências desagradáveis da pobreza. A [Sua] [74] virtude o havia colocado acima de todas estas coisas; e embora não estivesse nas boas graças da fortuna, jamais a adulou nem murmurou contra ela. Se sua fortuna foi das mais medíocres, sua alma, em recompensa, foi das [maiores e das] [75] melhores dotadas de tudo aquilo que faz os grandes homens. Ele era liberal numa extrema necessidade, emprestando do pouco que tinha pela bondade de seus amigos, com tanta generosidade como se estivesse na opulência. Tendo sabido que um homem que lhe devia duzentos florins [76] tinha ido à bancarrota, bem longe de se chatear, disse sorrindo: “é preciso retirar do meu ordinário para reparar esta pequena perda; é a este preço”, acrescentou ele, “que se compra a firmeza”. Eu não relato esta ação como algo de espetacular. Mas, como não há nada em que o gênio apareça mais do que nestes tipos de pequenas coisas, eu não a pude omitir sem escrúpulo.
24. [Ele era tão desinteressado quanto menos desinteressados eram os devotos que mais gritavam contra ele. Nós já vimos uma prova [77] de seu desinteresse; vamos agora reportar uma outra, que não lhe fará menos honra. Um de seus amigos íntimos [78], homem em boa situação financeira, queria dar-lhe de presente dois mil florins, para que pudesse viver mais comodamente, ele recusa com sua polidez habitual, dizendo-lhe que não os necessitava. Com efeito, era tão moderado e sóbrio [79], que mesmo com bem poucos bens, não lhe faltava nada. “A natureza”, dizia ele, “contenta-se com pouco, e quando ela está satisfeita, eu também estou”.
Mas não era menos justo que desinteressado, como veremos. O mesmo amigo que quis lhe dar dois mil florins, não tendo esposa e nem filhos, planejou fazer um testamento a seu favor e lhe instituir seu legatário universal. Ele lhe falou disso e quis seu consentimento. Porém, longe de dar sua aprovação, o senhor Spinosa lhe argumenta tão vivamente que ele estaria agindo contra a equidade e contra a natureza, se em prejuízo de seu próprio irmão, ele dispusesse de sua sucessão em favor de um estranho; por mais amigo seu que fosse, que seu amigo se rendesse a estes sábios conselhos e deixasse todos os seus bens a quem [80] devia naturalmente ser seu herdeiro, mas com a condição, todavia, de que este assinasse uma pensão vitalícia de quinhentos florins a nosso filósofo. Admiremos também aqui o seu desinteresse e sua moderação; ele considera esta pensão muito alta, e a reduz a trezentos florins. Belo exemplo, que será pouco seguido, sobretudo pelos eclesiásticos, pessoas ávidas do bem alheio, que, abusando da fraqueza dos velhos e dos devotos que eles envaidecem, não somente aceitam sem escrúpulo as heranças com prejuízo dos herdeiros legítimos, mas recorrem mesmo à sugestão para obtê-las.
25. Mas, deixemos estes tartufos e retornemos ao nosso filósofo.] [81] Por não ter tido a saúde perfeita durante toda a sua vida, havia aprendido a sofrer desde sua mais tenra juventude; assim, homem algum jamais entendeu melhor esta ciência do que ele. Não buscava o consolo mais que em si mesmo, e se era sensível a alguma dor, era à dor do outro. “Crer que o mal é menos rude quando ele nos é comum com muitas outras pessoas, é”, dizia ele, “uma grande marca da ignorância, e é ter bem pouco bom senso, utilizar como consolo as penas comuns.”.
26. É com este estado de espírito que derramou lágrimas quando viu seus concidadãos despedaçarem seu pai [82] comum; e ainda que soubesse melhor que ninguém no mundo do que os homens eram capazes, ele não deixou de estremecer a vista deste [horrível e] [83] cruel espetáculo. Por um lado, via cometerem um parricídio sem precedentes e uma ingratidão extrema; por outro, via-se privado de um ilustre mecenas e do único apoio que lhe restava. Era demasiado para abater uma alma comum; porém, uma alma como a sua, acostumada a superar as perturbações interiores, não temia sucumbir. Como ele era sempre senhor de si, rapidamente superou este terrível acidente. Do qual um de seus amigos, que pouco o deixava, tendo testemunhado esta atitude, surpreendeu-se, replicou nosso filósofo: “De que nos serviria a sabedoria, se, ao cairmos nas paixões do povo, nós não tivéssemos a força para nos restabelecermos por nós mesmos?”.
27. Como não estava comprometido com nenhum partido, não tinha que pagar a nenhum. Ele deixava a cada um a liberdade de seus preconceitos; mas ele sustentava que a maior parte era um obstáculo à verdade; que a razão era inútil, se nós negligenciássemos em usá-la, e que se proíbe o seu uso, quando se trata de escolher. “Eis”, dizia ele, “os dois maiores e mais comuns defeitos dos homens, a saber, a preguiça e a presunção. Uns afundam debilmente numa crassa ignorância, que os coloca abaixo das bestas; os outros se erguem como tiranos sobre os espíritos dos simples, lhes dando por oráculos eternos um mundo de [falsas idéias, ou] [84] falsos pensamentos. Eis aí a fonte dessas crenças absurdas das quais os homens são presunçosos, e o que os divide a uns e outros, e que se opõe diretamente ao objetivo da natureza, que é o de torná-los uniformes, como crianças de uma mesma mãe. Eis porque, ele dizia, que somente aqueles que tinham se libertado das máximas de sua infância, poderiam conhecer a verdade, que era necessário fazer esforços extraordinários para superar as impressões do hábito e apagar as falsas idéias, das quais o espírito dos homens estão cheios, antes que seja capaz de julgar as coisas por si mesmo. Sair deste abismo era”, segundo dizia, “um milagre tão grande quanto o de ordenar o caos.”.
28. Não há porque então surpreendermo-nos por ele ter feito durante toda sua vida guerra à superstição. Além de ser dotado para isso por uma inclinação natural, os ensinamentos de seu pai, que era homem de bom senso, contribuíram muito para reforçá-la. Este bom homem havia lhe ensinado a não confundi-la com a sólida piedade, e querendo pôr a prova o seu filho, que não tinha ainda dez anos, ordenou-lhe ir receber um dinheiro que lhe devia certa mulher velha de Amsterdã. Ao entrar na casa dela, viu que estava a ler a Bíblia; ela fez-lhe sinal para que a esperasse terminar sua prece. Quando ela terminou, o menino disse-lhe de seu encargo, e esta boa velha tendo contado seu dinheiro, disse: “Eis”, mostrando-lhe o dinheiro sobre a mesa, “o que eu devo a seu pai. Possa você ser um dia homem tão honesto quanto ele; ele jamais se afastou da Lei de Moisés, e o céu não te bendirá, enquanto não o imitares”. Ao acabar estas palavras ela pegou o dinheiro para colocá-lo na bolsa da criança. Mas ele, que se recordava de que esta mulher tinha todas as marcas da falsa piedade, da qual o seu pai já o tinha advertido, quis contar o dinheiro depois dela, malgrado a sua resistência; e encontrando dois ducados faltando, que a piedosa velha havia deixado cair numa gaveta por uma fresta feita para isto abaixo da mesa, ele confirmou seu pensamento. Inflado pelo sucesso desta aventura, e de ver que seu pai lhe aplaudiu, ele observava esta espécie de gente com mais cuidado que antes, e delas fazia troças tão finas que todo mundo se surpreendia.
29. Em todas as suas ações a virtude era o seu objetivo. Mas, como não fazia desta uma pintura horrível, à imitação dos estoicos, ele não era inimigo dos prazeres honestos. É verdade que os do espírito eram o seu estudo principal, e os do corpo o tocavam pouco. Mas quando se encontrava com essas espécies de divertimentos, das quais não podemos honradamente dispensar, ele as tomava como uma coisa indiferente e sem perturbar a tranqüilidade de sua alma, que preferia a todas as coisas imagináveis. Mas o que mais estimo nele é que, tendo nascido e sido criado no meio de um povo grosseiro, que é a fonte da superstição, ele não tenha mamado a amargura, e que tenha purgado seu espírito dessas falsas máximas das quais tantos se vangloriam. Estava inteiramente curado dessas opiniões insípidas e ridículas que os judeus têm de Deus. Um homem que sabia o objetivo da sã filosofia, e que, com o consentimento dos mais hábeis de nosso século, a punha melhor em prática; tal homem, digo, não era de se temer que ele pudesse imaginar de Deus o que este povo imagina. Mas, por não crer nem em Moisés e nem nos Profetas, quando se acomodam, como ele diz, à rudeza do povo, é uma razão para condená-lo? Eu li a maior parte dos filósofos, e asseguro de boa fé que absolutamente não há quem dê as mais belas idéias da divindade do que aquelas que [o falecido senhor] [85] Spinosa nos dá em seus escritos. Ele diz que: “quanto mais conhecemos a Deus, mais nós somos mestres de nossas paixões; que é neste conhecimento no qual encontramos a perfeita aquiescência do espírito e o verdadeiro amor de Deus, no que consiste nossa salvação, que é a beatitude e a liberdade.”.
30. São estes os principais pontos que segundo nosso filósofo são ditados pela razão, tocante à verdadeira vida, e ao soberano bem do homem. Comparemos com os dogmas do Novo Testamento, e veremos que é tudo a mesma coisa. A Lei de Jesus Cristo nos conduz ao amor de Deus e do próximo, o que é propriamente o que a razão nos inspira, segundo o sentimento de Spinosa. Donde é fácil inferir que a razão pela qual São Paulo chama a religião cristã uma religião [86] racional, é que a razão a prescreveu, e é o seu fundamento [87]: o que se chama uma religião racional é – conforme relato de Orígines –, tudo o que está submetido ao império da razão. Acrescente-se que um dos antigos Padres [Teofrasto,] [88], assegura que devemos viver e agir segundo as regras da razão.
Eis aí os sentimentos que segue nosso filósofo, apoiado pelos pais da igreja e pela Escritura. Entretanto, ele é condenado; mas o é aparentemente por aqueles a quem o interesse leva a falar contra a razão, ou que jamais a conheceram. Eu faço esta pequena digressão para incitar os simples a sacudir o jugo dos invejosos e dos falsos sábios, que, não podendo suportar a reputação das pessoas de bem, as acusam falsamente de ter opiniões pouco conformes à verdade.
31. Para retornar a Spinosa, ele tinha em suas conversas uma aparência tão simpática, e fazia comparações tão justas que insensivelmente fazia todo mundo aderir à sua opinião. Era persuasivo, ainda que não ostentasse falar nem polidamente e nem elegantemente. Ele se tornava tão inteligível, e seu discurso era tão repleto de bom senso que era quase impossível alguém não entendê-lo, ou não ficar satisfeito.
32. Estes belos talentos atraíam a sua casa todas as pessoas razoáveis; e, a qualquer tempo que fosse, ele se encontrava sempre com o mesmo humor agradável. De todos aqueles que o frequentaram, não havia absolutamente nenhum que não lhe testemunhasse uma amizade particular. Todavia, como não há nada mais fechado do que o coração do homem, viu-se a seguir que a maior parte dessas amizades era enganosas, aqueles que mais lhe deviam, sem nenhum motivo, nem aparente nem real, o trataram da maneira mais ingrata do mundo. Esses falsos amigos, que aparentemente o adoravam, o caluniavam às ocultas, seja para cortejar os poderosos, que não amam as pessoas de espírito, seja para adquirir reputação, armando insídias.
Um dia, tendo sabido que um dos seus maiores admiradores esforçava-se para sublevar o povo e os magistrados contra ele, respondeu sem emoção: “Não é de hoje que a verdade custa caro; não será a maledicência que me fará abandoná-la”. Eu gostaria de saber se já foi visto alguma vez mais firmeza, ou uma virtude mais pura? Ou se jamais algum de seus inimigos fez algo que ao menos se aproximasse de tal moderação? Mas eu vejo bem que sua infelicidade foi ser demasiado bom e muito esclarecido.
33. Descobriu a todo mundo o que se queria manter oculto. Achou a Clef du Sanctuaire [89], no qual antes dele somente viam mistérios vãos. Eis porque, apesar de ter sido o homem de bem que foi não pôde viver em segurança.
34. Ainda que nosso filósofo não fosse uma pessoa das mais severas, daquelas que consideram o casamento como um impedimento para o exercício do espírito, ele não contraiu matrimônio [90] no entanto, seja porque temia o mau humor de uma mulher, seja [porque o amor à Filosofia o ocupasse por inteiro] [91] por se entregar inteiramente à Filosofia e ao amor à verdade.
IV. Morte e panegírico
35. Além de não ser de uma compleição muito robusta, sua grande aplicação ajudou ainda mais a debilitá-lo; e como não há nada que consuma mais que o trabalho noturno, seus incômodos tornaram-se quase contínuos, por causa da malignidade de uma pequena febre lenta, que contraiu durante suas [ardentes] [92] meditações. Se bem que, após ter definhado durante os últimos anos de sua vida, ele a terminou no meio de seu curso. Assim, ele viveu quarenta e cinco anos ou em torno disso, tendo nascido no ano de 1632 [93], e tendo cessado de viver em 21 de fevereiro de 1677.
36. [Que se deseje saber também alguma coisa de seu porte e de seus traços; ele era de estatura mais para média do que para grande, com uma aparência muito agradável e que insinuava-se de forma imperceptível.] [94] Era de estatura mediana. [Tinha os traços do rosto bem proporcionais, a pele bem morena, o cabelo negro e cacheado, as sobrancelhas da mesma cor, os olhos pequenos, negros e vivos, uma fisionomia muito agradável e um aspecto português.] [95] Quanto ao espírito, ele o tinha grande e penetrante, e era de um humor totalmente complacente. Ele sabia temperar tão bem as brincadeiras, que os mais delicados e os mais severos lhe encontravam atrativos particulares.
37. Seus dias foram breves; mas podemos dizer, no entanto, que viveu muito, tendo adquirido os verdadeiros bens que consiste na virtude, e não teria mais nada a desejar, após a alta reputação que conquistou com seu profundo saber.
38. A sobriedade, a paciência e a veracidade não eram mais do que suas virtudes menores. Ele teve a felicidade de morrer no cume de sua glória, sem a ter maculado com nenhuma mancha, deixando ao mundo dos sábios e doutos o desgosto de verem-se privados de uma luz que não lhes era menos útil do que a luz do sol. Porque, ainda que não tenha tido a sorte de ver o fim das últimas guerras, em que os senhores dos Estados Gerais recuperaram o governo de seu império meio perdido, seja pela sorte das armas, seja por uma má escolha [96]; isto não foi para ele uma felicidade pequena, por ter escapado da tempestade que seus inimigos lhe preparavam. Eles o tinham feito odioso para o povo, porque ele lhes tinha dado o meio de distinguir a hipocrisia da verdadeira piedade e de extinguir a superstição.
Nosso filósofo tem então muita sorte, não somente pela glória de sua vida, mas pelas circunstâncias de sua morte, que olhou com um olhar intrépido, segundo aqueles que estiveram presentes, como se estivesse satisfeito de sacrificar-se por seus inimigos, afim de que sua memória não fosse maculada com um parricídio.
39. Somos nós, os que ficamos, que estamos lamentando; são todos aqueles que seus escritos tenham retificado, e a quem sua presença era ainda um grande socorro no caminho da verdade. Mas, já que não se pode evitar a sorte de tudo o que vive, procuremos marchar sobre suas pegadas, ou ao menos, reverenciá-lo com nossa admiração e louvor, se não podemos imitá-lo. É o que eu aconselho às almas sólidas, assim como seguir suas máximas e suas luzes, de tal forma que as tenham sempre ante os olhos e lhes sirvam de regra às suas ações. O que nós amamos e veneramos nos grandes homens, está sempre vivo e viverá por todos os séculos.
40. A maior parte daqueles que viveram na obscuridade e sem glória permaneceram enterrados nas trevas e no esquecimento. Baruch de Spinosa viverá na recordação dos verdadeiros sábios e em seus escritos, que são o templo da imortalidade.
V. Apêndice: Catálogo das Obras de Spinoza
41. 1. Renati Des Cartes Principiorum Philosophiæ, more geometrico demonstratæ, per Benedictum de Spinosa Amstelodamensem. Accesserunt ejusdem Cogitata Metaphysica, etc., Amstelodami, apud Johannem Riewerts, 1663, in-4º.
2. Tractatus theologico-politicus, etc., Hamburgi, apud Henricum Kunrath, 1670, in-4º. Esta mesma obra foi reimpressa sob o título de Danielis Hensii [sic] P.P. Operum Historicum Collectio prima. Editio secunda, etc., Lugd. Batav., apud Isaacum Herculis, 1673, in-8º. Esta obra é mais correta do que a in-4º, que é a primeira.
3. B.D.S. opera posthuma, 1677, in-4º.
4. Apologie de Benoit de Spinosa, na qual ele justifica sua saída da sinagoga. Esta apologia, escrita em espanhol jamais foi impressa.
5. Traité de l’Iris ou do Arc en ciel, que jogou ao fogo [97].
6. [O Pentateuco, traduzido em holandês, que ele também jogou ao fogo.] [98].
42. Além das obras acima, das quais Spinosa é o verdadeiro autor, foram-lhe atribuídas também as seguintes:
1. Luccii Antisti Constantis de jure Ecclesiasticorum, Liber Singularis, etc., Alethopoli, apud Caium Valerium Pennatum, 1665, in-8º.
O senhor Spinosa assegurou aos seus melhores amigos que não era o autor deste livro. Atribui-se ao senhor Louis Meyer, médico de Amsterdã, ao senhor Hermanus Schelius e ao senhor Van den Hooft (Hove), que mostrou seu zelo nas Províncias Unidas contra o Stat-houdérat [99]. Todas as aparências indicam que foi este último o autor, e que ele o escreveu para se vingar dos ministros da Holanda, que eram grandes partidários da Casa de Orange, e que clamavam constantemente no púlpito contra o pensionário de Witt.
2. Philoosophia sacræ Scripturæ interpres, Exercitatio paradoxa, Eleutheropoli, 1666, in-4º.
A voz pública credita esta obra ao senhor Luis Meyer. Este tratado foi reimpresso sob o título de Danielis Heinsii [sic] P. P. Operum Historicorum collectio secunda. Lugd. Batav., apud Isaacum Herculis, 1673, in-8º.
43. Todas as obras do senhor Spinosa, assim como as que lhe foram atribuídas, foram traduzidas ao holandês pelo senhor Jean Hendrik Glasmaker, o Perrot de Ablancourt de Holanda. Somente o Tratado Teológico-Político foi traduzido ao francês (cf. supra). Ver a Vie do Senhor Spinosa.
Um discípulo de Spinosa, chamado Abraham Jean Cuffeler, escreveu uma lógica segundo os princípios de seu mestre intitulada: Specimen artis ratiocinandi naturalis et artificialis ad Pantosophiæ principia manuducens, Hamburgi, apud Henricum Kunrath, 1684, in-8º.
[Por Lucas] [2]
Tradução de Emanuel Angelo da Rocha Fragoso (Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e Professor de Ética na Graduação e no Mestrado em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará - UECE).
Ainda que por falta de um bom pincel,
não se tenha desenhado do famoso Spinosa os traços,
em sendo a sabedoria imortal,
seus escritos não morrerão jamais [3]
Advertência [4] do [Editor] [5]
Não há talvez nada que dê aos espíritos fortes um pretexto mais plausível de insultar a religião, do que a maneira com que seus defensores os tratam. Por um lado, eles consideram suas objeções com extremo desprezo, e por outro, eles solicitam com o mais ardente zelo a supressão dos livros que as contém, por considerá-los tão desprezíveis.
É preciso admitir que este procedimento prejudica a causa que eles defendem. Com efeito, se estavam seguros de sua bondade, temeriam eles que ela sucumbisse se fosse sustentada somente por boas razões? E se estavam plenos da firme confiança que inspira a verdade àqueles que combatem por ela, recorreriam às falsas vantagens e às más vias para fazê-la triunfar? Não se fundamentariam unicamente sobre sua força; e seguros da vitória, não se exporiam eles de boa vontade ao combate do erro com armas iguais? Aprenderiam eles a deixar a todo mundo a liberdade de comparar as razões de ambas as partes e de julgar por esta comparação, de que lado está a vantagem? Negar esta liberdade, não é dar lugar aos incrédulos de imaginarem que suas argumentações são temidas e que seria mais fácil suprimi-las do que fazer ver a falsidade?
Mas ainda que eles estejam persuadidos de que a publicação daquilo que escrevem de mais forte contra a verdade, longe de negá-la, serviria, ao contrário, para tornar seu triunfo mais espetacular e seu fracasso mais vergonhoso, eles, no entanto não ousaram ir contra a corrente, tornando pública La vie et l’Esprit de Monsieur Benoit de Spinosa.
Tiramos tão poucos exemplares que a obra não será menos rara do que se tivesse permanecida manuscrita. Foram às hábeis pessoas capazes de refutá-la que tivemos o cuidado de distribuir este pequeno número de exemplares. Não duvidamos em absoluto de que seguirão combatendo o autor deste escrito monstruoso e que eliminarão completamente o sistema ímpio de Spinosa, sobre o qual estão fundados os sofismas de seu discípulo. É este o objetivo que nos propomos ao mandar imprimir este Tratado, no qual os libertinos vão colher seus argumentos capciosos.
O damos sem nenhum corte nem polimento, afim de que esses senhores não digam de forma nenhuma que atenuamos as dificuldades para tornar a refutação mais fácil. Aliás, as injúrias grosseiras, as mentiras, as calúnias, as blasfêmias, que nele lemos com horror e execração, se refutam suficientemente por si mesmas e não podem mais do que voltarem para a confusão daqueles que as lançaram com tanta extravagância quanta impiedade.
Prefácio do copista [6]
Baruch ou Benoit de Spinosa se tornou um nome tão pouco honrado no mundo quanto à sua doutrina e à singularidade de seus sentimentos em termos de religião que, como diz o autor de sua Vie no começo desta obra, é necessário se esconder, quando vamos escrever sobre ele ou em seu favor, com tanto cuidado e com tanta precaução, como se fossemos cometer um crime. Entretanto, nós não acreditamos que devamos fazer mistério e não confessar que copiamos este escrito segundo o original, [do qual a primeira parte trata da vida desse personagem e a segunda fornece uma idéia de seu caráter.] [7]
O autor deste é de fato desconhecido, ainda que pareça ter sido composto por um de seus discípulos, como se explica muito claramente! Entretanto, se fosse permitido afirmar algo fundamentado sobre conjecturas, poderíamos dizer, e talvez com certeza, que toda a obra é de fato do falecido senhor Lucas, tão famoso [nessas províncias] [8] por suas Quintessências; mas, ainda mais por seus costumes e sua maneira de viver.
Seja como for, a obra é rara o bastante para merecer ser examinada por pessoas de caráter. E é com esta única intenção que nos empenhamos em fazer uma [9] cópia. Eis todo o objetivo a que nos propomos, deixando aos outros o cuidado de fazer as reflexões que julguem oportunas propor [10].
A Vida do [falecido] [11] Senhor de Spinosa
Por um de seus discípulos
1. [12] Nosso século é muito esclarecido, mas nem por isso é mais equitativo em relação aos grandes homens. Embora lhes devam suas mais belas luzes, e dessas se aproveitam por sorte, não podem suportar que os louvem, seja por inveja ou por ignorância; e é surpreendente que se faça ocultar, para escrever sua vida, como se faz para cometer um crime; particularmente se esses grandes homens se tornaram célebres por vias extraordinárias e desconhecidas das almas comuns. Por que então, sob o pretexto de fazer honrar as opiniões recebidas, por mais absurdas e ridículas, eles defendem sua ignorância, e sacrificam as mais sadias luzes da razão, e por assim dizer, a própria verdade? Porém, por mais risco que alguém corra nesta carreira tão espinhosa, eu teria bem pouco proveito da Filosofia desse [grande homem] [13] de quem eu empreendo escrever a vida, e as máximas, se temesse engajar-me. Eu receio pouco a fúria do povo, tendo a honra de viver numa república que deixa aos seus sujeitos a liberdade de sentimentos, e na qual os próprios desejos seriam inúteis para sermos felizes [e tranquilos] [14], se as pessoas de comprovada probidade não fossem vistas sem ciúmes.
Se esta obra, que consagro à memória de um ilustre amigo, não for aprovada por todo mundo, pelo menos que a seja por aqueles que amam somente a verdade e que tenham alguma espécie de aversão ao vulgar impertinente.
I. Juventude e excomunhão [15]
2. Baruch de Spinosa era de Amsterdã, a mais bela cidade da Europa, e de origem muito medíocre. Seu pai, que era judeu [de religião] [16] e português [de nação] [17], não tendo o meio para desenvolvê-lo no comércio, resolveu lhe fazer aprender as letras hebraicas. Esta espécie de estudo, que é toda a ciência dos judeus, não era capaz de satisfazer um espírito brilhante como o seu. Ele não tinha quinze anos e já formulava dificuldades que os mais doutos entre os judeus resolviam a duras penas. E embora uma juventude tão grande não seja quase nada para a idade do discernimento, já era suficiente para ele se aperceber de que suas dúvidas embaraçavam seu mestre. Com medo de irritá-lo, ele fingia estar muito satisfeito com suas respostas, contentando-se em escrevê-las para delas se servir em tempo e lugar mais adequados. Como ele não lia nada além da Bíblia, tornou-se logo capaz de não necessitar mais de intérprete. Ele fazia reflexões tão corretas que os rabinos somente lhe replicavam como os ignorantes que, vendo sua razão exaurir-se, acusam àqueles que lhes pressionam demais, de ter opiniões pouco conforme a religião. Tão estranho procedimento lhe fez compreender que era inútil instruir-se com a verdade. “O povo não a conhece; aliás, acreditar cegamente nos livros autênticos é”, dizia ele, “muito amar os velhos erros” [18]. Resolveu então consultar somente a si mesmo, mas não poupando nenhum cuidado para descobri-la. É necessário ter o espírito grande e de uma força extraordinária, para conceber, aos vinte anos, um projeto desta importância. Com efeito, ele logo fez ver que não tinha nada empreendido temerariamente: porque começando a ler a Escritura toda de novo [19], ele penetrou sua obscuridade, dando a conhecer os mistérios, e revelando a luz através das nuvens, atrás das quais tinham lhe dito que a verdade estava escondida.
Após o exame da Bíblia, ele leu e releu o Talmude com a mesma exatidão. E como não tinha ninguém que o igualasse na compreensão do hebreu, ele não encontrou nada difícil, nem nada também que o satisfizesse. Mas ele era tão judicioso, que quis deixar amadurecer seus pensamentos antes de aprová-los.
3. Contudo, Morteira, homem célebre entre os judeus, e o menos ignorante de todos os rabinos de seu tempo, admirava a conduta e o gênio de seu discípulo. Ele não podia compreender que um jovem com tanta perspicácia fosse tão modesto. Para conhecê-lo a fundo, ele o testou de todas as maneiras, e admitiu, depois, que jamais encontrou nada a repreender, tanto em seus costumes, quanto na beleza de seu espírito. A aprovação de Morteira aumentou a boa opinião que se tinha de seu discípulo, não a ponto de lhe causar vaidade. Apesar de tão jovem, por uma prudência precoce, ele pouco se apoiava na amizade ou nos elogios dos homens. Além disso, o amor à verdade era de tal modo sua paixão dominante, que ele não via quase ninguém. Mas, qualquer precaução que tomasse [para se esquivar dos outros] [20], há encontros que não se podem honestamente evitar, embora sejam eles freqüentemente perigosos.
4. Entre os mais ardentes [e os mais dedicados] [21] em estabelecer relações com ele, dois jovens, que se diziam ser seus amigos mais íntimos, suplicaram para que ele lhes dissesse seus verdadeiros sentimentos. Eles lhe mostraram que [quaisquer que fossem ele não teria nada a temer da parte deles, a curiosidade tinha como único objetivo esclarecer suas dúvidas] [22]. O jovem discípulo, surpreendido por um discurso tão pouco visto, ficou algum tempo sem responder-lhes; mas, vendo-se acossado [por sua inoportunidade] [23] ele lhes disse rindo, que “eles tinham Moisés e os Profetas que eram verdadeiros israelitas, e que eles tinham decidido tudo; que os seguissem sem escrúpulos, se eles eram verdadeiramente israelitas”. “A crer neles”, respondeu um dos jovens, “eu não vejo que haja um ser imaterial, que Deus não tenha nenhum corpo, nem que a alma seja imortal, nem que os anjos sejam uma substância real. O que lhe parece?” Continuou ele, dirigindo-se ao nosso discípulo. “Deus tem um corpo? E existem os anjos? É a alma imortal?” “Eu vejo”, disse o discípulo, “que não encontrando nada de imaterial ou de incorporal na Bíblia, não há nenhum inconveniente em crer que Deus seja um corpo [24], e tanto mais, que Deus sendo grande, assim como fala o [rei] [25] Profeta [26], é impossível de compreender uma grandeza sem extensão, e que, por conseguinte, não seja um corpo. Quanto aos espíritos, é certo que a Escritura não diz de modo algum que sejam substâncias reais e permanentes, mas simples fantasmas, nomeados anjos, porque Deus se serve deles para declarar sua vontade, de tal maneira que, os anjos e toda outra espécie de espírito, somente são invisíveis em razão de sua matéria muito sutil e diáfana, que só pode ser vista como vemos os fantasmas num espelho, em sonhos ou à noite; da mesma maneira que Jacob viu numa escada, dormindo, os anjos subirem e descerem [27]. Eis porque não lemos que os judeus tenham excomungado os saduceus por não terem acreditado em anjos, pois o Antigo Testamento não diz nada de sua criação. Quanto à alma, por toda parte em que a Escritura se refere a ela, a palavra ‘alma’ é empregada simplesmente para exprimir a vida, ou para tudo o que está vivo. Seria inútil procurar nela alguma coisa sobre a qual se possa apoiar sua imortalidade. Pelo contrário, ela está visível em cem lugares, e não há nada mais fácil de provar; mas este não é o tempo nem o lugar de falar disso”. “O pouco que acaba de dizer”, replicou um dos amigos, “convenceria os mais incrédulos. Mas isto não é suficiente para satisfazer teus amigos, que precisam de alguma coisa mais sólida, e acrescente que a matéria é muito importante para ser considerado superficialmente. Nós somente iremos deixá-lo agora com a condição de retomá-la uma outra vez.”.
5. O discípulo, que não procurava outra coisa do que terminar a conversa prometeu tudo o que eles queriam. Mas, na seqüência, ele evitou [cuidadosamente] [28] todas as ocasiões nas quais [ele se percebia que] [29] eles procuravam reatá-la; e se recordando que raramente a curiosidade do homem tem boa intenção, ele estudou a conduta de seus amigos, na qual encontrou tanto a repreendê-los, que rompeu com eles e não quis mais lhes falar.
Seus amigos, ao se aperceberem do desejo que ele tinha, se contentaram em murmurar entre eles, enquanto acreditaram que era para testá-los. Mas, ao se verem sem esperança de poder dobrá-lo, eles juraram se vingar; e para fazê-lo mais sensivelmente, começaram por desacreditá-lo junto à opinião popular. [Publicaram] [30] que “era um abuso acreditar que este jovem pudesse tornar-se um dia um dos Pilares da Sinagoga, que ele parecia mais o seu destruidor, pois tinha somente ódio e desprezo pela lei de Moisés; que eles o haviam frequentado baseados no testemunho de Morteira; mas que tinham reconhecido [31] que era um ímpio, e que era um abuso o rabino ter dele uma boa opinião, seu encontro lhes causava horror.”.
6. Este falso boato, semeado na surdina, tornou-se logo público, e quando viram a ocasião propícia para avivá-lo, fizeram seu relatório aos juízes [32] da sinagoga, aos quais agitaram de tal maneira que [33] eles pensaram em condená-lo sem tê-lo entendido [34].
Passado o ardor do primeiro fogo (os sacros ministros do templo não estão isentos de cólera [como todos] [35]), ele foi intimado a comparecer perante eles. Ele, que sentia que sua consciência não lhe reprovava nada, foi alegremente à Sinagoga, onde os juízes [36] lhe disseram com a face abatida, e como que roídas pelo zelo com a casa de Deus, “que após as boas esperanças que tinham concebido de sua piedade, eles tinham custado a crer no maldoso boato que circulava sobre ele, que o chamaram para saber a verdade, e que era com um aperto no coração que o citavam para dar conta de sua fé; que ele era acusado do [mais negro e do] [37] maior de todos os crimes, que é o desprezo pela lei; que eles desejavam ardentemente que ele pudesse se justificar; mas, se estivesse convicto, não existiria suplício suficientemente severo para puni-lo.”.
Em seguida, eles lhe rogaram a dizer se era culpado; e, quando o viram negar, seus falsos amigos, que estavam presentes, avançaram, depuseram descaradamente que “eles o tinham ouvido ridicularizar os judeus, como gente supersticiosa, nascidos e educados na ignorância, que não sabiam o que é Deus, e que no entanto tinham a audácia de se dizerem seu povo, sem levar em consideração as outras nações. Quanto a lei, ela tinha sido instituída por um homem na verdade mais hábil que eles em matéria de política, mas que não era quase nada mais esclarecido que eles em Física e nem mesmo em Teologia; que com uma onça de bom senso se podia descobrir a impostura, e que era preciso serem tão estúpidos quanto os hebreus do tempo de Moisés, para confiarem neste galante homem.” [38].
7. Isto, acrescido [por seus libertinos] [39] ao que tinha dito de Deus, dos anjos e da alma, [e que seus acusadores não esqueceram de revelar,] [40] abala os espíritos, e lhes fazem gritar Anátema, antes mesmo que o acusado tenha tempo de se justificar. Os juízes [41], animados por um santo zelo para vingar sua lei profanada, interrogam, pressionam, intimidam [42]. Ao que responde o acusado [43], “Que suas caretas lhe causavam piedade, que confessaria o que foi dito no depoimento de tão boas testemunhas, se para sustentá-lo não fosse necessário somente razões incontestáveis.”.
Entretanto, Morteira sendo avisado do perigo em que estava o seu discípulo, correu imediatamente à sinagoga, onde sentou junto aos juízes, e lhe perguntou “se ele se lembrava [44] do bom exemplo que havia lhe dado? Se sua revolta era o fruto do cuidado que teve com sua educação? E se ele não temia tombar entre as mãos do Deus vivo? Que o escândalo já era grande, mas que ainda havia tempo de se arrepender.”.
Depois que Morteira esgotou sua retórica, sem poder abalar a firmeza de seu discípulo, com um tom mais ameaçador, e como chefe da Sinagoga, lhe pressionou a se determinar pelo arrependimento ou pela pena, e assegurou-lhe de excomungá-lo, se não desse agora mesmo provas de arrependimento.
O discípulo, sem se espantar, replicou-lhe que “conhecia o peso de suas ameaças, e que em troca do trabalho que ele tivera para lhe ensinar a língua hebraica, queria também lhe ensinar a maneira de excomungar”. A estas palavras, o rabino em cólera vomitou todo seu fel contra ele, e após algumas frias reprovações, encerra a assembléia, saiu da Sinagoga, e jurou que só voltaria a ela com o raio na mão. Mas, por mais juras que tivesse feito, ele não acreditava que o seu discípulo tivesse a coragem de esperá-lo. Ele se engana em suas conjecturas; a seqüência dos fatos lhe fez ver que se ele estava bem informado da beleza do espírito de Spinosa, ele não estava de sua força. Após o tempo que se empregou para mostrar-lhe o abismo em que estava a precipitar-se tendo passado inutilmente, fixaram o dia para excomungá-lo.
8. No mesmo instante em que soube, ele se dispôs a se retirar, e bem longe de se assustar, disse a quem lhe trouxe a notícia: “Em boa hora! Não se está forçando-me a nada que eu não tivesse feito por mim mesmo, se eu não tivesse temido o escândalo. Mas, já que querem dessa forma, entro com alegria no caminho que me é aberto, com o consolo que minha saída será mais inocente do que foi a dos primeiros hebreus [fora do] [45] do Egito, embora minha subsistência não esteja melhor assegurada do que a deles [46]. Eu não levo nada de ninguém, e de qualquer injustiça que se me façam, posso me gabar que não têm nada a reprovar-me.”.
9. O pouco convívio em geral que teve por este tempo com os judeus o obrigou a fazê-lo com os cristãos, pelo que travou amizade com pessoas inteligentes que lhe disseram do dano que era não saber nem o grego, nem latim, por mais versado que fosse no hebraico, no italiano e no espanhol, sem falar no alemão, no flamengo e no português, que eram suas línguas naturais. Ele compreendia suficientemente por si próprio como lhe eram necessárias estas línguas cultas; mas a dificuldade estava em encontrar o meio de aprendê-las, posto que não possuísse nem bens, nem linhagem, nem amigos nos quais apoiar-se. Como pensava constantemente nisso e comentava com todos, Van Den Enden, que ensinava com sucesso o grego e o latim, lhe ofereceu seus cuidados e sua casa, sem exigir-lhe outro reconhecimento senão o de ajudá-lo durante algum tempo a instruir seus alunos, quando se tornasse capaz de fazê-lo.
10. Entretanto, Morteira, irritado pelo desprezo que seu discípulo manifestava por ele e pela [sua] [47] lei, transformou sua amizade em ódio, e saboreou, fulminando-lhe, o prazer que encontram as almas vis na vingança.
A excomunhão [48] dos judeus não tem nada de muito especial. Todavia, para nada omitir do que possa instruir o leitor, eu citarei aqui as principais circunstâncias. O povo estando reunido na Sinagoga, esta cerimônia que eles denominam de Herem [49], inicia-se acendendo uma grande quantidade de velas negras, e abrindo o Tabernáculo, onde guardam os Livros [Tábuas] [50] da Lei. Após, o coro, situado num lugar um pouco elevado, entoa com voz lúgubre as palavras da execração, enquanto um outro [coro] [51] toca um corno [52], e viram-se as velas para as fazer cair gota a gota em uma cuba cheia de sangue. O povo, animado por um santo horror e uma raiva sagrada à vista deste negro espetáculo, responde amém em tom furioso, e que testemunha os bons serviços que acreditam estar prestando a Deus, se despedaçassem o excomungado; o que sem dúvida fariam se o encontrassem nesse momento lá, ou ao saírem da Sinagoga. Sobre isto, cabe assinalar que o som do corno, as velas viradas, e a cuba cheia de sangue, são circunstâncias que somente se observam em caso de blasfêmia, e que, fora esta, contenta-se em fulminar a excomunhão, como se fez com Spinosa, que não foi acusado de ter blasfemado, mas sim de ter faltado ao respeito com Moisés e com a Lei.
A excomunhão é de tal importância entre os judeus que nem os melhores amigos do excomungado ousariam prestar-lhe o menor serviço, nem mesmo lhe falar, sem incorrer na mesma pena. Assim, aqueles que receiam a doçura do isolamento, e a impertinência do povo, preferem sofrer qualquer outra pena que o Anátema.
11. Spinosa, que tinha encontrado um asilo [53] onde acreditava estar a salvo dos insultos dos judeus, não pensava em outra coisa que avançar nas ciências humanas, na qual, com um gênio tão excelente quanto o seu, não podia duvidar que fizesse em muito pouco tempo um progresso bem considerável.
Entretanto os judeus, transtornados e confusos por ter falhado o golpe, e ver que aquele a quem eles tinham ousado perder, estava fora de seu alcance, imputaram-lhe um crime do qual não haviam podido convencê-lo. Falo dos judeus em geral, pois, ainda que aqueles que vivem do altar não perdoem jamais, não ousaria dizer que Morteira e seus colegas [eram os seus maiores inimigos] [54] fossem os únicos acusadores nesta ocasião. Ter-se subtraído a sua jurisdição, e subsistir sem sua ajuda, são dois crimes que lhes pareciam irremissíveis. Morteira, sobretudo, não podia gostar, nem tolerar que o seu discípulo e ele vivessem na mesma cidade, depois da afronta que acreditava ter sofrido. Mas como fazer para lhe expulsar? Ele não era chefe da cidade, como o era da Sinagoga. No entanto, a malícia é tão poderosa, quando associada a um falso zelo, que este velhote o conseguiu.
12. Eis como ele o fez. Ele se fez escoltar por outro rabino de mesmo temperamento, foi encontrar os magistrados, aos quais representou [55] que se ele tinha excomungado Spinosa, não havia sido por razões comuns, mas por execráveis blasfêmias contra Moisés e contra Deus. Exagerou a impostura por todas as razões que um ódio santo pode sugerir a um coração irreconciliável, e demandou como conclusão, que o acusado fosse banido de Amsterdã.
Vendo o ímpeto [a maneira] [56] do rabino e com qual animosidade ele declamava contra seu discípulo, era fácil julgar que era menos um zelo piedoso que uma secreta raiva que o incitava a se vingar. Assim, os juízes ao se aperceberem disso, procuraram esquivar-se de suas queixas, enviando-as aos ministros. Porém estes, após examinarem o assunto, se sentiram embaraçados. Na maneira que o acusado se justificava, não encontravam nada de ímpio. Por outro lado, o acusador era rabino, e o cargo que ele ocupava os fazia lembrarem-se do seu, de tal forma que, tudo bem considerado, eles não podiam consentir em absolver a um homem, que seu semelhante queria perder, sem ultrajar o ministério. E esta razão, boa ou má, lhes fez dar sua conclusão em favor do rabino. [Tanto é verdade que os eclesiásticos, de qualquer religião que seja, gentios, judeus, cristãos, maometanos, são mais zelosos de sua autoridade do que da equidade e da verdade, e que estão todos imbuídos do mesmo espírito de perseguição] [57].
13. Os magistrados, que não ousaram contradizer-se por razões fáceis de adivinhar, condenaram o acusado a um exílio de alguns meses. Por este meio o rabinismo foi vingado. Mas é verdade que assim foi menos pela intenção direta dos juízes, do que para se livrarem das queixas importunas do mais irritante e do mais incômodo de todos os homens. De resto, esta decisão, bem longe de prejudicar a Spinosa, ao contrário, secunda o desejo que ele tinha de deixar Amsterdã. Tendo aprendido das humanidades [ciências humanas] [58] o quanto um filósofo deve saber, ele tinha a intenção de se desprender da multidão de uma grande cidade, quando vieram inquietá-lo. Assim não foi a perseguição que o expulsou; mas o amor ao isolamento, onde não duvidava em absoluto que encontraria a verdade.
II. Maturidade: de 1661 a 1673
14. Esta forte paixão, que não lhe dava descanso, o fez deixar com alegria [sua pátria] [59] a cidade que lhe havia visto nascer, por um povoado chamado Rijnsburg [60], onde, longe de todos os obstáculos, que só poderia vencer pela fuga, entregou-se inteiramente à Filosofia. Como havia poucos autores que fossem do seu gosto, recorreu as suas próprias meditações, estando determinado a provar até onde elas poderiam desenvolver-se. No que deu uma tão alta ideia da grandeza de seu espírito, que há seguramente poucas pessoas que tenham penetrado tão longe quanto ele nas matérias em que tratou.
15. Permaneceu dois anos neste retiro, onde, apesar de toda precaução que tomasse para evitar qualquer contato com seus amigos, os seus mais íntimos amigos iam vê-lo de tempos em tempos, e somente o deixavam a duras penas. Seus amigos, cuja maioria era composta por cartesianos, lhe propunham dificuldades, que eles pretendiam que não pudessem ser resolvidas a não ser pelos princípios de seu mestre. Spinosa evitou que incorressem num erro em que os sábios estavam então, satisfazendo-lhes com razões inteiramente opostas. Mas, estranho é o espírito do homem e a força dos preconceitos; seus amigos, ao retornarem para suas casas, estiveram a ponto de serem espancados por terem afirmado em público que Descartes não era o único filósofo que merecia ser seguido.
16. A maior parte dos ministros, preocupados com a doutrina deste grande gênio, zelosos do direito, que acreditavam possuir, de serem infalíveis em sua escolha, clamam contra um boato que os ofende, sem nada esquecer do quanto sabem para sufocá-lo na fonte. Mas, apesar de seus esforços, o mal crescia de tal maneira, que estava a ponto de estourar uma guerra civil no império das letras, quando determinaram que se rogasse a nosso filósofo explicar-se abertamente em relação a Descartes. Spinosa, que não queria nada mais do que a paz, concordou de bom grado dedicar-se a este trabalho algumas horas de seu lazer e o fez imprimir em 1663 [61].
Nessa obra, ele prova geometricamente as duas primeiras partes dos Princípios do senhor Descartes, como diz no Prefácio pela pluma de um de seus amigos [62]. Mas, o que quer que tenha dito de bom a respeito do célebre autor, os partidários desse grande homem, para desculpá-lo da acusação de ateísmo, fizeram depois tudo o que puderam para que caísse o raio sobre a cabeça de nosso filósofo, usando nesta ocasião a política dos discípulos de Santo Agostinho [63], que para se lavarem da crítica que se lhes fazia, de se inclinarem para o calvinismo, escreveram contra esta seita os livros mais violentos. Mas a perseguição que os cartesianos incitaram contra o senhor Spinosa, e que durou toda a sua vida, bem longe de abalá-lo, fortificou-o na procura da verdade.
17. Ele imputava a maior parte dos vícios dos homens aos erros do entendimento, e com medo de cair neles, se afunda ainda mais na solidão, deixando o lugar onde estava para ir a Voorburg [64], onde acreditou que teria mais repouso. Os verdadeiros sábios que encontravam algo a questionar, assim que não o viram mais, prontamente o desenterraram, e o sobrecarregaram com suas visitas neste último povoado, como haviam feito no primeiro. E ele, que não era insensível ao sincero amor das pessoas de bem, acedeu à insistência para que deixasse o campo e fosse para alguma cidade onde eles pudessem vê-lo com menos dificuldade. Ele foi habitar então em Haia, que preferiu à Amsterdã, pois o ar lhe era mais saudável, e ali morou o resto de sua vida.
18. De início ele só foi visitado por um pequeno número de amigos, que o faziam moderadamente. Mas este lugar agradável não ficava nunca sem viajantes, que procuravam ver o que merecia ser visto, os mais inteligentes dentre eles, quaisquer que fossem suas condições, acreditavam ter perdido a viajem se não tivessem visto Spinosa. E como os efeitos respondem ao renome, não havia sábio que não lhe escrevesse para ter esclarecidas suas dúvidas. Testemunha disto é o grande número de cartas que fazem parte do livro que foi impresso após sua morte [65]. Mas tanto as visitas que recebia quanto as respostas que devia dar aos sábios que lhe escreviam de toda parte, e suas obras maravilhosas, que fazem hoje nossa alegria, não ocupavam suficientemente este grande gênio. Ele empregava todos os dias algumas horas a preparar lentes para microscópios e telescópios, no que era excelente, de forma que se a morte não lhe tivesse sobrevindo, é de se crer que tivesse descoberto os mais belos segredos da ótica. Ele era tão entusiasmado pela busca da verdade, que, apesar da saúde muito débil e da necessidade de repouso, o fazia, no entanto tão pouco, que ficou três meses inteiros sem sair de casa; até ao ponto de recusar ensinar publicamente na Academia de Heidelberg [66], por medo deste emprego lhe distrair de seu desígnio.
19. Após ter-se esforçado tanto para retificar seu entendimento, não há porque se admirar de que tudo o que tenha produzido é de um caráter inimitável. Antes dele a Sagrada Escritura era um santuário inacessível. Todos os que haviam falado dela, o haviam feito como cegos. Somente ele fala dela como um sábio em seu Tratado de Teologia e Política [67], pois é certo que jamais homem algum conheceu tão bem quanto ele as antiguidades judaicas.
Embora não exista ferida mais perigosa que aquela da maledicência, e nem menos fácil de suportar, jamais se lhe ouviram falar com ressentimento contra os que o despedaçaram. Mesmo com muitos tendo se esforçado por descrever esse livro com injúrias plenas de fel e amargura, no lugar de se servir das mesmas armas para destruí-los, ele se contentou em esclarecer [68] os trechos dos quais eles tinham dado um falso sentido, temendo que sua malícia ofuscasse as almas sinceras. Se esse livro lhe suscitou uma torrente de perseguidores, não foi porque é somente hoje que se interpreta mal o pensamento dos grandes homens, e que a grande reputação é mais perigosa que a má.
20. [Ele teve a vantagem de ser conhecido pelo senhor pensionário J. De Witt, que quis aprender com ele as matemáticas, e que com freqüência lhe dava a honra de consultá-lo sobre matérias importantes.] [69] Mas tinha tão pouco empenho pelos bens da fortuna, que depois da morte do senhor De Witt, que lhe dava uma pensão de duzentos florins [70], depois de mostrar o documento de seu mecenas a seus herdeiros, que alegavam dificuldades em mantê-la, lhes entregou este com tanta tranqüilidade como se tivesse outros fundos com que contar. Esta maneira desinteressada os fez refletirem, e eles lhe concederam com alegria o que tinham acabado de negar-lhe.
E era esta a sua melhor fonte de subsistência, pois do pai não herdara mais do que certos negócios emaranhados. Ou, antes, os judeus com os quais este bom homem tinha negociado, pensando que seu filho não teria a paciência de desfazer os emaranhados, o enredaram de tal maneira, que ele preferiu abandonar tudo, que sacrificar seu repouso a uma esperança incerta.
21. Era tal a sua inclinação a não fazer nada para ser percebido ou admirado pelo povo, que após sua morte, recomendou que não se colocasse o seu nome em sua Moral, dizendo que tais sentimentos eram indignos de um filósofo.
22. Sua reputação era tal que não se falava em outra coisa nos círculos intelectuais. O príncipe de Condé, que estava em Utrecht ao começar as últimas guerras [a guerra de 1672] [71], lhe envia um salvo-conduto com uma carta gentil, para o convidar a ir vê-lo. Spinosa tinha o espírito muito bem formado e sabia bem o que devia a pessoas de tão alto grau, para ignorar neste encontro o que era devido à sua Alteza. Mas como jamais deixava sua solidão a não ser para a ela retornar o mais rapidamente, uma viajem de algumas semanas o deixou indeciso.
Enfim, após algumas delongas, seus amigos o determinaram a pôr-se a caminho. Entretanto, uma ordem do rei de França havia chamado o príncipe a outro lugar; e o senhor de Luxemburgo, que o recebeu em sua ausência, lhe fez mil agrados, e lhe assegurou da benevolência de sua alteza. Esta multidão de cortesãos não surpreende em absoluto nosso filósofo. Ele tinha uma educação mais próxima da corte, que de uma cidade comercial, como aquela em que havia nascido, e da qual podemos dizer que ele não tinha nem os defeitos, nem os vícios. [Ainda que esse gênero de vida fosse inteiramente oposto à suas máximas e a seu gosto, ele se sujeitou a ele com tanta complacência quanto os próprios cortesãos.] [72]
O Príncipe, que queria vê-lo, mandou várias vezes que o esperasse. Os curiosos que o apreciavam, e encontravam sempre nele novos motivos para apreciá-lo, estavam encantados com que sua alteza o obrigasse a esperar. Após algumas semanas, quando o Príncipe comunicou que não poderia retornar a Utrecht, todos os curiosos dentre os franceses se desgostaram; pois, malgrado as ofertas obsequiosas que lhe fez o senhor de Luxemburgo, nosso filósofo no mesmo instante despediu-se deles [e retornou a Haia] [73].
III. Apologia de Spinoza: virtudes e feitos
23. Ele possuía uma qualidade tanto mais estimável quanto que raramente se encontra num filósofo: era extremamente limpo, e jamais saía sem que se notasse em seus trajes o que distingui o homem íntegro do pedante. “Não é”, dizia ele, “este ar sujo e negligente que nos torna sábios; ao contrário”, acrescentava, “esta negligência afetada é a marca de uma alma baixa na qual a sabedoria não se encontra em absoluto, e na qual as ciências não podem engendrar mais do que impureza e corrupção.”.
Não só as riquezas não o tentavam como também não temia as conseqüências desagradáveis da pobreza. A [Sua] [74] virtude o havia colocado acima de todas estas coisas; e embora não estivesse nas boas graças da fortuna, jamais a adulou nem murmurou contra ela. Se sua fortuna foi das mais medíocres, sua alma, em recompensa, foi das [maiores e das] [75] melhores dotadas de tudo aquilo que faz os grandes homens. Ele era liberal numa extrema necessidade, emprestando do pouco que tinha pela bondade de seus amigos, com tanta generosidade como se estivesse na opulência. Tendo sabido que um homem que lhe devia duzentos florins [76] tinha ido à bancarrota, bem longe de se chatear, disse sorrindo: “é preciso retirar do meu ordinário para reparar esta pequena perda; é a este preço”, acrescentou ele, “que se compra a firmeza”. Eu não relato esta ação como algo de espetacular. Mas, como não há nada em que o gênio apareça mais do que nestes tipos de pequenas coisas, eu não a pude omitir sem escrúpulo.
24. [Ele era tão desinteressado quanto menos desinteressados eram os devotos que mais gritavam contra ele. Nós já vimos uma prova [77] de seu desinteresse; vamos agora reportar uma outra, que não lhe fará menos honra. Um de seus amigos íntimos [78], homem em boa situação financeira, queria dar-lhe de presente dois mil florins, para que pudesse viver mais comodamente, ele recusa com sua polidez habitual, dizendo-lhe que não os necessitava. Com efeito, era tão moderado e sóbrio [79], que mesmo com bem poucos bens, não lhe faltava nada. “A natureza”, dizia ele, “contenta-se com pouco, e quando ela está satisfeita, eu também estou”.
Mas não era menos justo que desinteressado, como veremos. O mesmo amigo que quis lhe dar dois mil florins, não tendo esposa e nem filhos, planejou fazer um testamento a seu favor e lhe instituir seu legatário universal. Ele lhe falou disso e quis seu consentimento. Porém, longe de dar sua aprovação, o senhor Spinosa lhe argumenta tão vivamente que ele estaria agindo contra a equidade e contra a natureza, se em prejuízo de seu próprio irmão, ele dispusesse de sua sucessão em favor de um estranho; por mais amigo seu que fosse, que seu amigo se rendesse a estes sábios conselhos e deixasse todos os seus bens a quem [80] devia naturalmente ser seu herdeiro, mas com a condição, todavia, de que este assinasse uma pensão vitalícia de quinhentos florins a nosso filósofo. Admiremos também aqui o seu desinteresse e sua moderação; ele considera esta pensão muito alta, e a reduz a trezentos florins. Belo exemplo, que será pouco seguido, sobretudo pelos eclesiásticos, pessoas ávidas do bem alheio, que, abusando da fraqueza dos velhos e dos devotos que eles envaidecem, não somente aceitam sem escrúpulo as heranças com prejuízo dos herdeiros legítimos, mas recorrem mesmo à sugestão para obtê-las.
25. Mas, deixemos estes tartufos e retornemos ao nosso filósofo.] [81] Por não ter tido a saúde perfeita durante toda a sua vida, havia aprendido a sofrer desde sua mais tenra juventude; assim, homem algum jamais entendeu melhor esta ciência do que ele. Não buscava o consolo mais que em si mesmo, e se era sensível a alguma dor, era à dor do outro. “Crer que o mal é menos rude quando ele nos é comum com muitas outras pessoas, é”, dizia ele, “uma grande marca da ignorância, e é ter bem pouco bom senso, utilizar como consolo as penas comuns.”.
26. É com este estado de espírito que derramou lágrimas quando viu seus concidadãos despedaçarem seu pai [82] comum; e ainda que soubesse melhor que ninguém no mundo do que os homens eram capazes, ele não deixou de estremecer a vista deste [horrível e] [83] cruel espetáculo. Por um lado, via cometerem um parricídio sem precedentes e uma ingratidão extrema; por outro, via-se privado de um ilustre mecenas e do único apoio que lhe restava. Era demasiado para abater uma alma comum; porém, uma alma como a sua, acostumada a superar as perturbações interiores, não temia sucumbir. Como ele era sempre senhor de si, rapidamente superou este terrível acidente. Do qual um de seus amigos, que pouco o deixava, tendo testemunhado esta atitude, surpreendeu-se, replicou nosso filósofo: “De que nos serviria a sabedoria, se, ao cairmos nas paixões do povo, nós não tivéssemos a força para nos restabelecermos por nós mesmos?”.
27. Como não estava comprometido com nenhum partido, não tinha que pagar a nenhum. Ele deixava a cada um a liberdade de seus preconceitos; mas ele sustentava que a maior parte era um obstáculo à verdade; que a razão era inútil, se nós negligenciássemos em usá-la, e que se proíbe o seu uso, quando se trata de escolher. “Eis”, dizia ele, “os dois maiores e mais comuns defeitos dos homens, a saber, a preguiça e a presunção. Uns afundam debilmente numa crassa ignorância, que os coloca abaixo das bestas; os outros se erguem como tiranos sobre os espíritos dos simples, lhes dando por oráculos eternos um mundo de [falsas idéias, ou] [84] falsos pensamentos. Eis aí a fonte dessas crenças absurdas das quais os homens são presunçosos, e o que os divide a uns e outros, e que se opõe diretamente ao objetivo da natureza, que é o de torná-los uniformes, como crianças de uma mesma mãe. Eis porque, ele dizia, que somente aqueles que tinham se libertado das máximas de sua infância, poderiam conhecer a verdade, que era necessário fazer esforços extraordinários para superar as impressões do hábito e apagar as falsas idéias, das quais o espírito dos homens estão cheios, antes que seja capaz de julgar as coisas por si mesmo. Sair deste abismo era”, segundo dizia, “um milagre tão grande quanto o de ordenar o caos.”.
28. Não há porque então surpreendermo-nos por ele ter feito durante toda sua vida guerra à superstição. Além de ser dotado para isso por uma inclinação natural, os ensinamentos de seu pai, que era homem de bom senso, contribuíram muito para reforçá-la. Este bom homem havia lhe ensinado a não confundi-la com a sólida piedade, e querendo pôr a prova o seu filho, que não tinha ainda dez anos, ordenou-lhe ir receber um dinheiro que lhe devia certa mulher velha de Amsterdã. Ao entrar na casa dela, viu que estava a ler a Bíblia; ela fez-lhe sinal para que a esperasse terminar sua prece. Quando ela terminou, o menino disse-lhe de seu encargo, e esta boa velha tendo contado seu dinheiro, disse: “Eis”, mostrando-lhe o dinheiro sobre a mesa, “o que eu devo a seu pai. Possa você ser um dia homem tão honesto quanto ele; ele jamais se afastou da Lei de Moisés, e o céu não te bendirá, enquanto não o imitares”. Ao acabar estas palavras ela pegou o dinheiro para colocá-lo na bolsa da criança. Mas ele, que se recordava de que esta mulher tinha todas as marcas da falsa piedade, da qual o seu pai já o tinha advertido, quis contar o dinheiro depois dela, malgrado a sua resistência; e encontrando dois ducados faltando, que a piedosa velha havia deixado cair numa gaveta por uma fresta feita para isto abaixo da mesa, ele confirmou seu pensamento. Inflado pelo sucesso desta aventura, e de ver que seu pai lhe aplaudiu, ele observava esta espécie de gente com mais cuidado que antes, e delas fazia troças tão finas que todo mundo se surpreendia.
29. Em todas as suas ações a virtude era o seu objetivo. Mas, como não fazia desta uma pintura horrível, à imitação dos estoicos, ele não era inimigo dos prazeres honestos. É verdade que os do espírito eram o seu estudo principal, e os do corpo o tocavam pouco. Mas quando se encontrava com essas espécies de divertimentos, das quais não podemos honradamente dispensar, ele as tomava como uma coisa indiferente e sem perturbar a tranqüilidade de sua alma, que preferia a todas as coisas imagináveis. Mas o que mais estimo nele é que, tendo nascido e sido criado no meio de um povo grosseiro, que é a fonte da superstição, ele não tenha mamado a amargura, e que tenha purgado seu espírito dessas falsas máximas das quais tantos se vangloriam. Estava inteiramente curado dessas opiniões insípidas e ridículas que os judeus têm de Deus. Um homem que sabia o objetivo da sã filosofia, e que, com o consentimento dos mais hábeis de nosso século, a punha melhor em prática; tal homem, digo, não era de se temer que ele pudesse imaginar de Deus o que este povo imagina. Mas, por não crer nem em Moisés e nem nos Profetas, quando se acomodam, como ele diz, à rudeza do povo, é uma razão para condená-lo? Eu li a maior parte dos filósofos, e asseguro de boa fé que absolutamente não há quem dê as mais belas idéias da divindade do que aquelas que [o falecido senhor] [85] Spinosa nos dá em seus escritos. Ele diz que: “quanto mais conhecemos a Deus, mais nós somos mestres de nossas paixões; que é neste conhecimento no qual encontramos a perfeita aquiescência do espírito e o verdadeiro amor de Deus, no que consiste nossa salvação, que é a beatitude e a liberdade.”.
30. São estes os principais pontos que segundo nosso filósofo são ditados pela razão, tocante à verdadeira vida, e ao soberano bem do homem. Comparemos com os dogmas do Novo Testamento, e veremos que é tudo a mesma coisa. A Lei de Jesus Cristo nos conduz ao amor de Deus e do próximo, o que é propriamente o que a razão nos inspira, segundo o sentimento de Spinosa. Donde é fácil inferir que a razão pela qual São Paulo chama a religião cristã uma religião [86] racional, é que a razão a prescreveu, e é o seu fundamento [87]: o que se chama uma religião racional é – conforme relato de Orígines –, tudo o que está submetido ao império da razão. Acrescente-se que um dos antigos Padres [Teofrasto,] [88], assegura que devemos viver e agir segundo as regras da razão.
Eis aí os sentimentos que segue nosso filósofo, apoiado pelos pais da igreja e pela Escritura. Entretanto, ele é condenado; mas o é aparentemente por aqueles a quem o interesse leva a falar contra a razão, ou que jamais a conheceram. Eu faço esta pequena digressão para incitar os simples a sacudir o jugo dos invejosos e dos falsos sábios, que, não podendo suportar a reputação das pessoas de bem, as acusam falsamente de ter opiniões pouco conformes à verdade.
31. Para retornar a Spinosa, ele tinha em suas conversas uma aparência tão simpática, e fazia comparações tão justas que insensivelmente fazia todo mundo aderir à sua opinião. Era persuasivo, ainda que não ostentasse falar nem polidamente e nem elegantemente. Ele se tornava tão inteligível, e seu discurso era tão repleto de bom senso que era quase impossível alguém não entendê-lo, ou não ficar satisfeito.
32. Estes belos talentos atraíam a sua casa todas as pessoas razoáveis; e, a qualquer tempo que fosse, ele se encontrava sempre com o mesmo humor agradável. De todos aqueles que o frequentaram, não havia absolutamente nenhum que não lhe testemunhasse uma amizade particular. Todavia, como não há nada mais fechado do que o coração do homem, viu-se a seguir que a maior parte dessas amizades era enganosas, aqueles que mais lhe deviam, sem nenhum motivo, nem aparente nem real, o trataram da maneira mais ingrata do mundo. Esses falsos amigos, que aparentemente o adoravam, o caluniavam às ocultas, seja para cortejar os poderosos, que não amam as pessoas de espírito, seja para adquirir reputação, armando insídias.
Um dia, tendo sabido que um dos seus maiores admiradores esforçava-se para sublevar o povo e os magistrados contra ele, respondeu sem emoção: “Não é de hoje que a verdade custa caro; não será a maledicência que me fará abandoná-la”. Eu gostaria de saber se já foi visto alguma vez mais firmeza, ou uma virtude mais pura? Ou se jamais algum de seus inimigos fez algo que ao menos se aproximasse de tal moderação? Mas eu vejo bem que sua infelicidade foi ser demasiado bom e muito esclarecido.
33. Descobriu a todo mundo o que se queria manter oculto. Achou a Clef du Sanctuaire [89], no qual antes dele somente viam mistérios vãos. Eis porque, apesar de ter sido o homem de bem que foi não pôde viver em segurança.
34. Ainda que nosso filósofo não fosse uma pessoa das mais severas, daquelas que consideram o casamento como um impedimento para o exercício do espírito, ele não contraiu matrimônio [90] no entanto, seja porque temia o mau humor de uma mulher, seja [porque o amor à Filosofia o ocupasse por inteiro] [91] por se entregar inteiramente à Filosofia e ao amor à verdade.
IV. Morte e panegírico
35. Além de não ser de uma compleição muito robusta, sua grande aplicação ajudou ainda mais a debilitá-lo; e como não há nada que consuma mais que o trabalho noturno, seus incômodos tornaram-se quase contínuos, por causa da malignidade de uma pequena febre lenta, que contraiu durante suas [ardentes] [92] meditações. Se bem que, após ter definhado durante os últimos anos de sua vida, ele a terminou no meio de seu curso. Assim, ele viveu quarenta e cinco anos ou em torno disso, tendo nascido no ano de 1632 [93], e tendo cessado de viver em 21 de fevereiro de 1677.
36. [Que se deseje saber também alguma coisa de seu porte e de seus traços; ele era de estatura mais para média do que para grande, com uma aparência muito agradável e que insinuava-se de forma imperceptível.] [94] Era de estatura mediana. [Tinha os traços do rosto bem proporcionais, a pele bem morena, o cabelo negro e cacheado, as sobrancelhas da mesma cor, os olhos pequenos, negros e vivos, uma fisionomia muito agradável e um aspecto português.] [95] Quanto ao espírito, ele o tinha grande e penetrante, e era de um humor totalmente complacente. Ele sabia temperar tão bem as brincadeiras, que os mais delicados e os mais severos lhe encontravam atrativos particulares.
37. Seus dias foram breves; mas podemos dizer, no entanto, que viveu muito, tendo adquirido os verdadeiros bens que consiste na virtude, e não teria mais nada a desejar, após a alta reputação que conquistou com seu profundo saber.
38. A sobriedade, a paciência e a veracidade não eram mais do que suas virtudes menores. Ele teve a felicidade de morrer no cume de sua glória, sem a ter maculado com nenhuma mancha, deixando ao mundo dos sábios e doutos o desgosto de verem-se privados de uma luz que não lhes era menos útil do que a luz do sol. Porque, ainda que não tenha tido a sorte de ver o fim das últimas guerras, em que os senhores dos Estados Gerais recuperaram o governo de seu império meio perdido, seja pela sorte das armas, seja por uma má escolha [96]; isto não foi para ele uma felicidade pequena, por ter escapado da tempestade que seus inimigos lhe preparavam. Eles o tinham feito odioso para o povo, porque ele lhes tinha dado o meio de distinguir a hipocrisia da verdadeira piedade e de extinguir a superstição.
Nosso filósofo tem então muita sorte, não somente pela glória de sua vida, mas pelas circunstâncias de sua morte, que olhou com um olhar intrépido, segundo aqueles que estiveram presentes, como se estivesse satisfeito de sacrificar-se por seus inimigos, afim de que sua memória não fosse maculada com um parricídio.
39. Somos nós, os que ficamos, que estamos lamentando; são todos aqueles que seus escritos tenham retificado, e a quem sua presença era ainda um grande socorro no caminho da verdade. Mas, já que não se pode evitar a sorte de tudo o que vive, procuremos marchar sobre suas pegadas, ou ao menos, reverenciá-lo com nossa admiração e louvor, se não podemos imitá-lo. É o que eu aconselho às almas sólidas, assim como seguir suas máximas e suas luzes, de tal forma que as tenham sempre ante os olhos e lhes sirvam de regra às suas ações. O que nós amamos e veneramos nos grandes homens, está sempre vivo e viverá por todos os séculos.
40. A maior parte daqueles que viveram na obscuridade e sem glória permaneceram enterrados nas trevas e no esquecimento. Baruch de Spinosa viverá na recordação dos verdadeiros sábios e em seus escritos, que são o templo da imortalidade.
V. Apêndice: Catálogo das Obras de Spinoza
41. 1. Renati Des Cartes Principiorum Philosophiæ, more geometrico demonstratæ, per Benedictum de Spinosa Amstelodamensem. Accesserunt ejusdem Cogitata Metaphysica, etc., Amstelodami, apud Johannem Riewerts, 1663, in-4º.
2. Tractatus theologico-politicus, etc., Hamburgi, apud Henricum Kunrath, 1670, in-4º. Esta mesma obra foi reimpressa sob o título de Danielis Hensii [sic] P.P. Operum Historicum Collectio prima. Editio secunda, etc., Lugd. Batav., apud Isaacum Herculis, 1673, in-8º. Esta obra é mais correta do que a in-4º, que é a primeira.
3. B.D.S. opera posthuma, 1677, in-4º.
4. Apologie de Benoit de Spinosa, na qual ele justifica sua saída da sinagoga. Esta apologia, escrita em espanhol jamais foi impressa.
5. Traité de l’Iris ou do Arc en ciel, que jogou ao fogo [97].
6. [O Pentateuco, traduzido em holandês, que ele também jogou ao fogo.] [98].
42. Além das obras acima, das quais Spinosa é o verdadeiro autor, foram-lhe atribuídas também as seguintes:
1. Luccii Antisti Constantis de jure Ecclesiasticorum, Liber Singularis, etc., Alethopoli, apud Caium Valerium Pennatum, 1665, in-8º.
O senhor Spinosa assegurou aos seus melhores amigos que não era o autor deste livro. Atribui-se ao senhor Louis Meyer, médico de Amsterdã, ao senhor Hermanus Schelius e ao senhor Van den Hooft (Hove), que mostrou seu zelo nas Províncias Unidas contra o Stat-houdérat [99]. Todas as aparências indicam que foi este último o autor, e que ele o escreveu para se vingar dos ministros da Holanda, que eram grandes partidários da Casa de Orange, e que clamavam constantemente no púlpito contra o pensionário de Witt.
2. Philoosophia sacræ Scripturæ interpres, Exercitatio paradoxa, Eleutheropoli, 1666, in-4º.
A voz pública credita esta obra ao senhor Luis Meyer. Este tratado foi reimpresso sob o título de Danielis Heinsii [sic] P. P. Operum Historicorum collectio secunda. Lugd. Batav., apud Isaacum Herculis, 1673, in-8º.
43. Todas as obras do senhor Spinosa, assim como as que lhe foram atribuídas, foram traduzidas ao holandês pelo senhor Jean Hendrik Glasmaker, o Perrot de Ablancourt de Holanda. Somente o Tratado Teológico-Político foi traduzido ao francês (cf. supra). Ver a Vie do Senhor Spinosa.
Um discípulo de Spinosa, chamado Abraham Jean Cuffeler, escreveu uma lógica segundo os princípios de seu mestre intitulada: Specimen artis ratiocinandi naturalis et artificialis ad Pantosophiæ principia manuducens, Hamburgi, apud Henricum Kunrath, 1684, in-8º.
NOTAS:
[1] Nota do Tradutor: Utilizamos como base para nossa tradução o texto La vie de feu Monsieur Spinosa, reproduzido em A. Wolf, in: The Oldest Biography of Spinoza. Edited with translation, introduction, annotations by A. Wolf. Nov York e Londres, publicado pela Kennikat Press, p. 91-128, em 1927 e republicada em 1970. Por sua vez, esta reprodução de Wolf foi baseada no Codex T e cotejada com o Codex A. Além desta, cotejamos nosso texto com a tradução feita por Atilano Domínguez, in: Biografías de Spinoza. Selección, traducción, introducción, notas y índices por Atilano Domínguez, publicada pela Alianza Editorial, Madri, p. 143-172, 1995; com a tradução de Mario Calés, La Vida de Spinoza por uno de sus Discípulos, in: Obras Completas. Prologada por Abraham J. Weiss y Gregorio Weimberg, traducciones de Mario Calés y Oscar Cohan, publicada pela Acervo Cultural, Buenos Aires, v. 5, p. 187-209, 1977, 5v; com a versão de Rolland Caillois, La Vie de Spinoza par un de ses Disciples, in: Spinoza Œuvres Complètes. Texte traduite, présenté et annoté par Roland Caillois, Madeleine Francès et Robert Misrahi, publicada pela Gallimard, Paris, p. 1340-1356, 1954, 1 v.; com a versão La Vie et L’Esprit de Mr. Benoit de Spinoza, de J. Freudenthal, Die Lebensgeschichte Spinoza’s, publicada pela Verlag von Veit & Comp., Leipzig, p. 1-25, 1899; e por fim, com a tradução portuguesa A vida do senhor Baruch de Espinosa, por um de seus discípulos, de Éclair Antonio Almeida Filho, publicada pela Martins Fontes, São Paulo, p. 23-55, 2007. Estas obras cotejadas serão doravante citadas como Reprodução de Wolf (RW), tradução Atilano (TA), tradução de Mario Calés (TMC), tradução de Rolland Caillois (VRC)*, versão de J. Freudenthal (VF)** e a tradução portuguesa (TP), respectivamente. Em algumas passagens, devidamente assinaladas (como TW), recorremos também à tradução de Wolf para o inglês, The life of the late Mr. de Spinosa, Op. cit., p. 41-75.
* Segundo Atilano (Op. Cit. p. 25), foi a edição da Nouvelles Littéraires de 1735.
** É a mesma de E. Saisset e de Pratt, e de VRC e VF.
Optamos por manter a grafia original para a maioria dos nomes próprios citados (inclusive o de Spinoza, grafado com s), bem como para os nomes de obras citadas pelo autor que não possuam tradução para o português. No entanto, sempre que nos referirmos a Spinoza em nossas Notas, utilizaremos a grafia mais usual atualmente, com z.
[2]NT: Segundo Wolf: “A resposta à questão [Quem foi o autor de La Vie...] só pode ser mais ou menos provável, pois os manuscritos são anônimos e a evidência não é absolutamente conclusiva” (Op. Cit., p. 20). Há duas possibilidades: Sr. de Saint-Glain e Jean Maximilian Lucas. Atualmente, os estudiosos inclinam-se para o segundo. Lucas, nascido em Rouen em 1636 ou 1646 e morto em Hague em 1697.
[3] Estas rimas não estão em [códex] A, nem na edição de 1719 das Nouvelles Litteraires, nem na edição de 1735; mas estão na página título da edição Le Vier, de 1719 (Nota em RW, p. 92). [NT: O fac-símile da página título da edição Le Vier ou manuscrito Towneley (T), reproduzido por Wolf, encontra-se em RW, em página não numerada, localizada entre as páginas 41-42. Ressalte-se que foi este texto que Wolf e Atilano Domínguez – que o designa como H (Cf. RW, p. 41-75 e AT, Nota à p. 253-254), bem como nós também, (Cf. nota supra), utilizamos como base para nossas respectivas traduções].
No original: Si faute d’un pinceau fidèle, / Du fameux Spinosa l’on n’a pas peint les trsits; / La sagesse étant immortelle, / Ses Écrits ne mourront jamais. / 1719.
[4] Não em [códex] A* ou [códex] T**, nem na edição das Nouvelles Litteraires da La Vie de Spinosa (1719); somente em algumas cópias da edição Le Vier, e não na edição de 1735. (Nota em RW, p. 131). [NT: Reprodução do texto em francês em RW, p. 131-133].
* NT: RW define como Códex A o manuscrito de Paris, códex nº 2235, encontrado na Bibliotèque de l’Arsenal e como A’ o manuscrito nº 2236, dessa mesma biblioteca, com o título de La Metaphysique et l’Etique de Spinosa, son Esprit et sa Vie e La Vie et l’Esprit de Spinosa, respectivamente. (RW, Introduction, p. 33).
** NT: RW define como Códex T (Towneley, John) o manuscrito de Lucas (RW, Introduction, p. 33-35).
[5] NT: Somente em TA, p. 143.
[6] Não em [códex] A ou [códex] T, somente em algumas cópias da edição Le Vier de 1719; mas está também na edição das Nouvelles Litteraires, na qual está simplesmente introduzida como “Preface”, com a nota adicional: Cette pièce m’a été envoyée avec la Preface: je la donne telle que je l’aie reçuë. * Na edição de 1735 está incluído, com algumas omissões e adições, na parte intitulada Avertissement. (Nota em RW, p. 133).
* Tradução: Esta peça me foi enviada com o Prefácio: eu a dou tal como a recebi.
[7] Os termos entre colchetes foram omitidos na edição de 1735. (Nota em RW, p. 134).
[8] Os termos entre colchetes encontram-se somente na edição das Nouvelles Litteraires publicada em 1735. (Nota em RW, p. 134).
[9] Na edição das Nouvelles Litteraires está cette [esta]. (Nota em RW, p. 134).
[10] No lugar deste último parágrafo, a edição de 1735 tem a seguinte declaração: La plupart des Notes, et des Catalogue des Écrits de Spinosa, ont été ajoutez à cette nouvelle Édition par un autre de ses Disciples *. Isto já está fixado na página título dessa edição, na qual lemos: La Vie de Spinosa par un de ses Disciples: Nouvelle Édition non tronque’e [sic], augmentée de quelque Notes et du Catalogue de ses écrits par un autre de ses Disciple [sic] etc **. (Nota em RW, p. 135). [NT: Mantivemos os itálicos e as iniciais em maiúsculas – ainda que não tenhamos compreendido a lógica das mesmas –, bem como a língua original das citações de RW].
* Tradução: A maior parte das Notas, e do Catálogo dos Escritos de Spinosa, foram acrescentados a esta nova Edição por um outro de seus discípulos.
** Tradução: A Vida de Spinosa por um de seus Discípulos: Nova Edição não truncada, aumentada de algumas Notas e do Catálogo de seus Escritos por um outro de seus discípulos etc.
[11] NT: Somente em RW (p. 93) e TW (p. 41).
[12] NT: Utilizaremos a numeração dos parágrafos introduzida por AT. Entretanto, nossa divisão dos parágrafos seguirá VF.
[13] Em [códex] A está: ce grand homme. (Nota em RW, p. 93).
[14] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW, TW e TMC, mas encontra-se em TA, VRC, VF e TP.
[15] NT: Os subtítulos foram acrescentados como observações em AT (cf. Nota * explicativa na página 253-254).
[16] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[17] NT:. O mesmo que a nota anterior.
[18] [Códex] A omite as aspas. (Nota em RW, p. 95).
[19] NT: Atilano é o único que traduz esta passagem como significando que Spinoza empregou uma nova maneira de ler as Escrituras. No original: “[...] comenzando a leer de forma totalmente nueva la Escritura [...]” (TA, p. 147, grifo nosso).
[20] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[21] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW, TW e TMC, mas encontra-se em TA, VRC, VF e TP.
[22] NT: Os termos entre colchetes encontram-se entre aspas em TA e VF, em itálico em TMC, VRC e TP e em RW e TW não estão grifados e nem entre aspas.
[23] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[24] Em [Códex] A: corps crée [corpo criado]. (Nota em RW, p. 97).
[25] NT: O termo entre colchetes não se encontra em RW e TW, mas encontra-se em TA, TMC, VRC, VF e TP.
[26] NT: Salmos, 48, 1.
[27] No original: Jacob vit dans une échelle en dormant les Anges monter et descendre. Lucas translada a este diálogo novelesco idéias típicas de Spinoza, que remontam a 1659 e provavelmente antes da excomunhão. Cf. TTP 1-2 [Tratado Teológico-Político, cap. 1-2]; Ep. 52, 54, 56 a H. Boxel. (Nota em AT, p. 254).
[28] NT: O termo entre colchetes não se encontra em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[29] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[30] NT: O termo entre colchetes não se encontra em RW e TW, mas encontra-se em TA, VRC e VF. Em TP está “declararam publicamente” (Op. Cit., p. 29). Em TMC está “Anunciarom”. Mas, pelas palavras iniciais do próximo parágrafo (Este falso boato, semeado na surdina [...]), podemos concluir que foi um acréscimo posterior e inadequado.
[31] NT: Este parágrafo termina assim somente em RW e TW. A partir deste ponto, em TMC, TA, VRC, VF e TP, tem a seguinte redação: "[...] em suas conversações que era um verdadeiro ímpio, e que o rabino, apesar de tão hábil, estava errado e se enganara grosseiramente, se tinha dele tão boa opinião; e por fim, que seu encontro lhes causava horror.”.
[32] NT: O termo “juízes” somente foi empregado em RW e TW. Em TMC, TA, VRC, VF e TP, o termo utilizado foi “sábios”.
[33] NT: Neste ponto, TA e TP acrescentam “sem tê-lo ouvido” (cf. o original: “sin haberlo oído” e “sem nem mesmo ouvi-lo”, respectivamente).
[34] NT: No original: “entendu”.
[35] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[36] NT: Nesta passagem todos empregaram o termo “juízes”.
[37] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP (usa o termo “tenebroso”).
[38] Lucas recolhe aqui as idéias de Spinoza sobre a história político-religiosa do povo judeu: TTP, 3-5, 17-18. (Nota em AT, p. 254). [NT: Esta nota refere-se ao sexto parágrafo da AT, que corresponde em nossa tradução a este parágrafo, juntamente com o anterior].
[39] NT: Os termos entre colchetes só se encontram em RW e TW, e não em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[40] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[41] NT: Aqui também todos empregaram o termo “juizes”.
[42] NT: Este final só se encontra em RW, TW e TP. Em TMC, TA, VRC e VF a frase tem o seguinte final: “[...] interrogam, pressionam, ameaçam e tentam intimidar.”.
[43] NT: Esta frase em TMC, TA, VRC, VF e TP inicia-se como segue: “Mas a tudo isso o acusado não replica outra coisa senão [...]”.
[44] NT: Este termo só se encontra em RW e TW. Em TMC, TA, VRC, VF e TP o termo empregado foi “esqueceu”.
[45] Somente em [códex] A (Nota em RW, p. 103).
[46] Ele está aludindo ao que é dito no Êxodo, Capítulo XII, versículo 35-36, que os hebreus levaram dos egípcios os vasos de ouro e dinheiro, e as vestimentas que lhes tinham sido emprestadas por ordem de Moisés* [Deus]**. [Isto não está em A]***
* Conforme TW e RW.
** Conforme AT, TMC, VRC, VF e TP.
*** Nota em RW, p. 103.
[47] NT: O termo entre colchetes encontra-se em RW e TW, mas não se encontra em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[48] Encontra-se no Tratado de Seldenus, De jure naturæ et gentium, a fórmula da excomunhão comum, da qual os judeus se servem para separar de seu grupamento os violadores de sua lei.
[49] Esta palavra em hebreu significa separação*. [Herim em hebreu significa separação]**.
* Conforme TMC, TA, VRC, VF e TP.
** Somente em RW e TW.
[50] Somente em [códex] A (Nota em RW, p. 105).
[51] Somente em TA, TW e VRC.
[52] Corno ou trombeta, chamado em hebreu de sophar.
[53] NT: Segundo Atilano, o “asilo” [...] é sem dúvida a casa de Van Den Enden. (Cf. Nota em AT, p. 255).
[54] Somente em RW e TW.
[55] NT: No francês original: represente (VF, p. 442), representa (RW, p. 107). Optamos por manter a base etimológica do termo em francês, ainda que pouco usual neste sentido, pois, pareceu-nos que o autor ao utilizá-lo teve a intenção de sugerir que Morteira estava representando um papel, uma farsa.
[56] Somente em RW e TW.
[57] NT: Esta parte entre colchetes não se encontra em RW e nem em TW.
[58] NT: Somente em RW, TW e TMC.
[59] NT: Somente em RW e TW [native city].
[60] Povoado a uma légua de Leiden. [NT: Esta nota encontra-se somente em TA e VF].
[61] NT: Trata-se do Renati Des Cartes Principiorum Philosophiæ Pars I & II more geometrico demonstratae per Benedictum de Spinoza Amstelodamensem. Accesserunt Ejusdem Cogitata Metaphysica apud Johannem Riewerts (Princípios de Filosofia Cartesiana - PPC com os Pensamentos Metafísicos - CM em apêndice).
[62] Este amigo é Louis Meyer, médico de Amsterdã.
[63] Os “discípulos de Santo Agostinho” são os Jansenistas.
[64] Povoado a uma légua de Haia. [NT: Esta nota encontra-se somente em TA e VF].
[65] [Este livro contém suas últimas obras que foram impressas após sua morte e]* Intitula-se B. D. S. Opera Posthuma, 1677, in-4º.
* Esta parte apenas em AW e RW.
[66] Charles-Louis, eleitor palatino, ordenou que lhe oferecessem uma cátedra de professor de Filosofia em Heldelberg, com uma ampla liberdade de filosofa; mas ele agradeceu a sua alteza com muita polidez. [NT: Esta nota não se encontra em RW e TW.]
[67] [O título latino é Tractatus Theologico-Politicus. Esta obra foi traduzida ao francês pelo Senhor de S. Glain, de Angers, capitão ao serviço dos Estados e que trabalhou depois na Gazzete de Roterdam [Amsterdã]*. Havia sido calvinista, mas assim que conheceu a Spinosa, tornou-se um de seus discípulos e um de seus maiores admiradores. Ele intitula sua tradução La Clef du Sanctuaire. Mas como este título provocou muito alvoroço, sobretudo nos países católicos, para facilitar a venda julgou a propósito mudá-lo na segunda edição para Traité des cérémonies superstitieuses des juifs tant anciens que modernes; e pela mesma razão, quando se fez a terceira edição, foi intitulado Réflexions curieuses d’un esprit désintéressé.]** Intitula-se Tractatus Theologico-Politicus, etc., Hamburgi, 1670, in-4º. Este livro foi traduzido ao francês e publicado com três diferentes títulos: 1º Réflexions curieuses d’un esprit désintéressé sur les matiéres les plus importantes au salut, tant public que particulier, Cologne, 1678, in-12º. 2º Com o de La Clef du Sanctuaire. 3º E por fim, com o de Traité des cérémonies superstitieuses des juifs tant anciens que modernes, Amsterdam, 1678, in-12º.
Estes três títulos não provam que se tenha feito três edições deste livro. Com efeito, nunca houve mais do que uma. Mas o livreiro fez imprimir sucessivamente estes [três]*** diferentes títulos para enganar os inquisidores. [A respeito do autor da tradução francesa, as opiniões estão divididas.]**** Uns a atribuem ao senhor de Saint-Glain, autor da Gazzete de Amsterdam. Outros pretendem que seja o senhor Lucas, que se tornou célebre pelas Quintessences, sempre recheadas com novas invectivas contra Louis XIV. O que há de certo é que este último era amigo e discípulo do senhor Spinosa, e que é o autor desta Vida e da obra que a segue.
* Inserção de AT (Cf. Nota ao parágrafo 19, Op. Cit., p. 256).
** Esta parte entre colchetes somente em RW (nota na p. 137) e AT (nota na p. 256).
*** Termo entre colchete somente em AT (Nota p. 256).
**** Termos entre colchetes somente em RW (nota na p. 135-136).
[68] Esses esclarecimentos foram traduzidos para o francês e se encontram no fim do La Clef du Sanctuaire. Eles não estão em nenhuma edição latina desse livro. Há duas, uma in-4º, como nós indicamos na nota precedente, e a outra in-8º, a qual se acrescentou o tratado intitulado Philosophia S. Scripituræ interpres, que se pretende que seja o senhor Louis Meyer o autor. Estes dois tratados estão juntos sob o título Danielis Hensii [sic] Operum Historicorum Collectio, pars 1 e 2, in-8º, Ludg. Bat., 1673.
[69] NT: Este trecho entre colchetes está ausente em RW e TW.
[70] NT: Em RW e TW está “francs” (francos).
[71] NT: Estes termos somente em RW e TW.
[72] NT: Este trecho entre colchetes somente em AW, RW e VF.
[73] NT: Este trecho entre colchetes está ausente em RW e TW.
[74] NT: Somente em TW e RW.
[75] Somente em A (nota em RW, p. 117).
[76] NT: Em RW e TW está “francs” (francos).
[77] Vide supra.
[78] O senhor Simon de Vries.
[79] Não gastava seis soldos por dia, fazendo a média, e não bebia mais do que uma pinta de vinho ao mês.
[80] A seu irmão.
[81] NT: Em RW e TW este parágrafo 24 e esta primeira linha do parágrafo 25 são dados em nota separada do texto (p. 137-138 e p. 85-86, respectivamente).
[82] O senhor de Witt, pensionário* de Holanda.
* É o nome que se dava ao líder do poder executivo, nas Províncias Unidas no século XVII. Era ao mesmo tempo o líder da província da Holanda.
[83] NT: Estes termos entre colchetes estão ausentes em RW e TW.
[84] NT: Somente em RW e TW.
[85] NT: Somente em VRC e TP.
[86] Rom. XII, v. 1.
[87] Erasmo nas notas sobre esta passagem.
[88] NT: Somente em VF aparece no texto (nos demais está citado em nota).
[89] Alusão ao [É um livro que o autor fez em Latim, intitulado]* Tratado-Teológico Político, que foi traduzido ao francês com o título de Clef du Sanctuaire [Chave do Santuário]**.
* Não em A (Nota em RW e TW, p. 125).
** NT: Ver nossa nota supra.
[90] NT: Na verdade, muito provavelmente Spinoza não se casou por ser tísico desde muito cedo. E no século XVII, o primeiro tratamento da tísica era a total abstinência de qualquer forma de sexo.
[91] NT: Somente em RW e TW.
[92] NT: Somente em RW e TW.
[93] NT: Mais precisamente em 24 de novembro.
[94] NT: Somente em RW e TW (nos demais, citado somente em nota).
[95] NT: Todo este trecho não se encontra em RW e nem em TW (em VF está entre colchetes).
[96] NT: Em TP: “Essa passagem diz respeito, é bem provável, à guerra territorial com a França de Luís XIV e seus aliados, que começou em 1672 e terminou em 1678, com a assinatura do Tratado de Nimègue.” (Op. Cit., p. 54).
[97] NT: Isto não procede. Estas obras foram encontradas posteriormente.
[98] NT: Somente em RW e TW (nos demais, não é citado nem em nota).
[99] NT: Nome do cargo de Comandante militar das províncias Unidas, ocupado tradicionalmente pela Casa de Orange.
[1] Nota do Tradutor: Utilizamos como base para nossa tradução o texto La vie de feu Monsieur Spinosa, reproduzido em A. Wolf, in: The Oldest Biography of Spinoza. Edited with translation, introduction, annotations by A. Wolf. Nov York e Londres, publicado pela Kennikat Press, p. 91-128, em 1927 e republicada em 1970. Por sua vez, esta reprodução de Wolf foi baseada no Codex T e cotejada com o Codex A. Além desta, cotejamos nosso texto com a tradução feita por Atilano Domínguez, in: Biografías de Spinoza. Selección, traducción, introducción, notas y índices por Atilano Domínguez, publicada pela Alianza Editorial, Madri, p. 143-172, 1995; com a tradução de Mario Calés, La Vida de Spinoza por uno de sus Discípulos, in: Obras Completas. Prologada por Abraham J. Weiss y Gregorio Weimberg, traducciones de Mario Calés y Oscar Cohan, publicada pela Acervo Cultural, Buenos Aires, v. 5, p. 187-209, 1977, 5v; com a versão de Rolland Caillois, La Vie de Spinoza par un de ses Disciples, in: Spinoza Œuvres Complètes. Texte traduite, présenté et annoté par Roland Caillois, Madeleine Francès et Robert Misrahi, publicada pela Gallimard, Paris, p. 1340-1356, 1954, 1 v.; com a versão La Vie et L’Esprit de Mr. Benoit de Spinoza, de J. Freudenthal, Die Lebensgeschichte Spinoza’s, publicada pela Verlag von Veit & Comp., Leipzig, p. 1-25, 1899; e por fim, com a tradução portuguesa A vida do senhor Baruch de Espinosa, por um de seus discípulos, de Éclair Antonio Almeida Filho, publicada pela Martins Fontes, São Paulo, p. 23-55, 2007. Estas obras cotejadas serão doravante citadas como Reprodução de Wolf (RW), tradução Atilano (TA), tradução de Mario Calés (TMC), tradução de Rolland Caillois (VRC)*, versão de J. Freudenthal (VF)** e a tradução portuguesa (TP), respectivamente. Em algumas passagens, devidamente assinaladas (como TW), recorremos também à tradução de Wolf para o inglês, The life of the late Mr. de Spinosa, Op. cit., p. 41-75.
* Segundo Atilano (Op. Cit. p. 25), foi a edição da Nouvelles Littéraires de 1735.
** É a mesma de E. Saisset e de Pratt, e de VRC e VF.
Optamos por manter a grafia original para a maioria dos nomes próprios citados (inclusive o de Spinoza, grafado com s), bem como para os nomes de obras citadas pelo autor que não possuam tradução para o português. No entanto, sempre que nos referirmos a Spinoza em nossas Notas, utilizaremos a grafia mais usual atualmente, com z.
[2]NT: Segundo Wolf: “A resposta à questão [Quem foi o autor de La Vie...] só pode ser mais ou menos provável, pois os manuscritos são anônimos e a evidência não é absolutamente conclusiva” (Op. Cit., p. 20). Há duas possibilidades: Sr. de Saint-Glain e Jean Maximilian Lucas. Atualmente, os estudiosos inclinam-se para o segundo. Lucas, nascido em Rouen em 1636 ou 1646 e morto em Hague em 1697.
[3] Estas rimas não estão em [códex] A, nem na edição de 1719 das Nouvelles Litteraires, nem na edição de 1735; mas estão na página título da edição Le Vier, de 1719 (Nota em RW, p. 92). [NT: O fac-símile da página título da edição Le Vier ou manuscrito Towneley (T), reproduzido por Wolf, encontra-se em RW, em página não numerada, localizada entre as páginas 41-42. Ressalte-se que foi este texto que Wolf e Atilano Domínguez – que o designa como H (Cf. RW, p. 41-75 e AT, Nota à p. 253-254), bem como nós também, (Cf. nota supra), utilizamos como base para nossas respectivas traduções].
No original: Si faute d’un pinceau fidèle, / Du fameux Spinosa l’on n’a pas peint les trsits; / La sagesse étant immortelle, / Ses Écrits ne mourront jamais. / 1719.
[4] Não em [códex] A* ou [códex] T**, nem na edição das Nouvelles Litteraires da La Vie de Spinosa (1719); somente em algumas cópias da edição Le Vier, e não na edição de 1735. (Nota em RW, p. 131). [NT: Reprodução do texto em francês em RW, p. 131-133].
* NT: RW define como Códex A o manuscrito de Paris, códex nº 2235, encontrado na Bibliotèque de l’Arsenal e como A’ o manuscrito nº 2236, dessa mesma biblioteca, com o título de La Metaphysique et l’Etique de Spinosa, son Esprit et sa Vie e La Vie et l’Esprit de Spinosa, respectivamente. (RW, Introduction, p. 33).
** NT: RW define como Códex T (Towneley, John) o manuscrito de Lucas (RW, Introduction, p. 33-35).
[5] NT: Somente em TA, p. 143.
[6] Não em [códex] A ou [códex] T, somente em algumas cópias da edição Le Vier de 1719; mas está também na edição das Nouvelles Litteraires, na qual está simplesmente introduzida como “Preface”, com a nota adicional: Cette pièce m’a été envoyée avec la Preface: je la donne telle que je l’aie reçuë. * Na edição de 1735 está incluído, com algumas omissões e adições, na parte intitulada Avertissement. (Nota em RW, p. 133).
* Tradução: Esta peça me foi enviada com o Prefácio: eu a dou tal como a recebi.
[7] Os termos entre colchetes foram omitidos na edição de 1735. (Nota em RW, p. 134).
[8] Os termos entre colchetes encontram-se somente na edição das Nouvelles Litteraires publicada em 1735. (Nota em RW, p. 134).
[9] Na edição das Nouvelles Litteraires está cette [esta]. (Nota em RW, p. 134).
[10] No lugar deste último parágrafo, a edição de 1735 tem a seguinte declaração: La plupart des Notes, et des Catalogue des Écrits de Spinosa, ont été ajoutez à cette nouvelle Édition par un autre de ses Disciples *. Isto já está fixado na página título dessa edição, na qual lemos: La Vie de Spinosa par un de ses Disciples: Nouvelle Édition non tronque’e [sic], augmentée de quelque Notes et du Catalogue de ses écrits par un autre de ses Disciple [sic] etc **. (Nota em RW, p. 135). [NT: Mantivemos os itálicos e as iniciais em maiúsculas – ainda que não tenhamos compreendido a lógica das mesmas –, bem como a língua original das citações de RW].
* Tradução: A maior parte das Notas, e do Catálogo dos Escritos de Spinosa, foram acrescentados a esta nova Edição por um outro de seus discípulos.
** Tradução: A Vida de Spinosa por um de seus Discípulos: Nova Edição não truncada, aumentada de algumas Notas e do Catálogo de seus Escritos por um outro de seus discípulos etc.
[11] NT: Somente em RW (p. 93) e TW (p. 41).
[12] NT: Utilizaremos a numeração dos parágrafos introduzida por AT. Entretanto, nossa divisão dos parágrafos seguirá VF.
[13] Em [códex] A está: ce grand homme. (Nota em RW, p. 93).
[14] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW, TW e TMC, mas encontra-se em TA, VRC, VF e TP.
[15] NT: Os subtítulos foram acrescentados como observações em AT (cf. Nota * explicativa na página 253-254).
[16] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[17] NT:. O mesmo que a nota anterior.
[18] [Códex] A omite as aspas. (Nota em RW, p. 95).
[19] NT: Atilano é o único que traduz esta passagem como significando que Spinoza empregou uma nova maneira de ler as Escrituras. No original: “[...] comenzando a leer de forma totalmente nueva la Escritura [...]” (TA, p. 147, grifo nosso).
[20] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[21] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW, TW e TMC, mas encontra-se em TA, VRC, VF e TP.
[22] NT: Os termos entre colchetes encontram-se entre aspas em TA e VF, em itálico em TMC, VRC e TP e em RW e TW não estão grifados e nem entre aspas.
[23] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[24] Em [Códex] A: corps crée [corpo criado]. (Nota em RW, p. 97).
[25] NT: O termo entre colchetes não se encontra em RW e TW, mas encontra-se em TA, TMC, VRC, VF e TP.
[26] NT: Salmos, 48, 1.
[27] No original: Jacob vit dans une échelle en dormant les Anges monter et descendre. Lucas translada a este diálogo novelesco idéias típicas de Spinoza, que remontam a 1659 e provavelmente antes da excomunhão. Cf. TTP 1-2 [Tratado Teológico-Político, cap. 1-2]; Ep. 52, 54, 56 a H. Boxel. (Nota em AT, p. 254).
[28] NT: O termo entre colchetes não se encontra em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[29] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[30] NT: O termo entre colchetes não se encontra em RW e TW, mas encontra-se em TA, VRC e VF. Em TP está “declararam publicamente” (Op. Cit., p. 29). Em TMC está “Anunciarom”. Mas, pelas palavras iniciais do próximo parágrafo (Este falso boato, semeado na surdina [...]), podemos concluir que foi um acréscimo posterior e inadequado.
[31] NT: Este parágrafo termina assim somente em RW e TW. A partir deste ponto, em TMC, TA, VRC, VF e TP, tem a seguinte redação: "[...] em suas conversações que era um verdadeiro ímpio, e que o rabino, apesar de tão hábil, estava errado e se enganara grosseiramente, se tinha dele tão boa opinião; e por fim, que seu encontro lhes causava horror.”.
[32] NT: O termo “juízes” somente foi empregado em RW e TW. Em TMC, TA, VRC, VF e TP, o termo utilizado foi “sábios”.
[33] NT: Neste ponto, TA e TP acrescentam “sem tê-lo ouvido” (cf. o original: “sin haberlo oído” e “sem nem mesmo ouvi-lo”, respectivamente).
[34] NT: No original: “entendu”.
[35] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[36] NT: Nesta passagem todos empregaram o termo “juízes”.
[37] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP (usa o termo “tenebroso”).
[38] Lucas recolhe aqui as idéias de Spinoza sobre a história político-religiosa do povo judeu: TTP, 3-5, 17-18. (Nota em AT, p. 254). [NT: Esta nota refere-se ao sexto parágrafo da AT, que corresponde em nossa tradução a este parágrafo, juntamente com o anterior].
[39] NT: Os termos entre colchetes só se encontram em RW e TW, e não em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[40] NT: Os termos entre colchetes não se encontram em RW e TW, mas encontra-se em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[41] NT: Aqui também todos empregaram o termo “juizes”.
[42] NT: Este final só se encontra em RW, TW e TP. Em TMC, TA, VRC e VF a frase tem o seguinte final: “[...] interrogam, pressionam, ameaçam e tentam intimidar.”.
[43] NT: Esta frase em TMC, TA, VRC, VF e TP inicia-se como segue: “Mas a tudo isso o acusado não replica outra coisa senão [...]”.
[44] NT: Este termo só se encontra em RW e TW. Em TMC, TA, VRC, VF e TP o termo empregado foi “esqueceu”.
[45] Somente em [códex] A (Nota em RW, p. 103).
[46] Ele está aludindo ao que é dito no Êxodo, Capítulo XII, versículo 35-36, que os hebreus levaram dos egípcios os vasos de ouro e dinheiro, e as vestimentas que lhes tinham sido emprestadas por ordem de Moisés* [Deus]**. [Isto não está em A]***
* Conforme TW e RW.
** Conforme AT, TMC, VRC, VF e TP.
*** Nota em RW, p. 103.
[47] NT: O termo entre colchetes encontra-se em RW e TW, mas não se encontra em TMC, TA, VRC, VF e TP.
[48] Encontra-se no Tratado de Seldenus, De jure naturæ et gentium, a fórmula da excomunhão comum, da qual os judeus se servem para separar de seu grupamento os violadores de sua lei.
[49] Esta palavra em hebreu significa separação*. [Herim em hebreu significa separação]**.
* Conforme TMC, TA, VRC, VF e TP.
** Somente em RW e TW.
[50] Somente em [códex] A (Nota em RW, p. 105).
[51] Somente em TA, TW e VRC.
[52] Corno ou trombeta, chamado em hebreu de sophar.
[53] NT: Segundo Atilano, o “asilo” [...] é sem dúvida a casa de Van Den Enden. (Cf. Nota em AT, p. 255).
[54] Somente em RW e TW.
[55] NT: No francês original: represente (VF, p. 442), representa (RW, p. 107). Optamos por manter a base etimológica do termo em francês, ainda que pouco usual neste sentido, pois, pareceu-nos que o autor ao utilizá-lo teve a intenção de sugerir que Morteira estava representando um papel, uma farsa.
[56] Somente em RW e TW.
[57] NT: Esta parte entre colchetes não se encontra em RW e nem em TW.
[58] NT: Somente em RW, TW e TMC.
[59] NT: Somente em RW e TW [native city].
[60] Povoado a uma légua de Leiden. [NT: Esta nota encontra-se somente em TA e VF].
[61] NT: Trata-se do Renati Des Cartes Principiorum Philosophiæ Pars I & II more geometrico demonstratae per Benedictum de Spinoza Amstelodamensem. Accesserunt Ejusdem Cogitata Metaphysica apud Johannem Riewerts (Princípios de Filosofia Cartesiana - PPC com os Pensamentos Metafísicos - CM em apêndice).
[62] Este amigo é Louis Meyer, médico de Amsterdã.
[63] Os “discípulos de Santo Agostinho” são os Jansenistas.
[64] Povoado a uma légua de Haia. [NT: Esta nota encontra-se somente em TA e VF].
[65] [Este livro contém suas últimas obras que foram impressas após sua morte e]* Intitula-se B. D. S. Opera Posthuma, 1677, in-4º.
* Esta parte apenas em AW e RW.
[66] Charles-Louis, eleitor palatino, ordenou que lhe oferecessem uma cátedra de professor de Filosofia em Heldelberg, com uma ampla liberdade de filosofa; mas ele agradeceu a sua alteza com muita polidez. [NT: Esta nota não se encontra em RW e TW.]
[67] [O título latino é Tractatus Theologico-Politicus. Esta obra foi traduzida ao francês pelo Senhor de S. Glain, de Angers, capitão ao serviço dos Estados e que trabalhou depois na Gazzete de Roterdam [Amsterdã]*. Havia sido calvinista, mas assim que conheceu a Spinosa, tornou-se um de seus discípulos e um de seus maiores admiradores. Ele intitula sua tradução La Clef du Sanctuaire. Mas como este título provocou muito alvoroço, sobretudo nos países católicos, para facilitar a venda julgou a propósito mudá-lo na segunda edição para Traité des cérémonies superstitieuses des juifs tant anciens que modernes; e pela mesma razão, quando se fez a terceira edição, foi intitulado Réflexions curieuses d’un esprit désintéressé.]** Intitula-se Tractatus Theologico-Politicus, etc., Hamburgi, 1670, in-4º. Este livro foi traduzido ao francês e publicado com três diferentes títulos: 1º Réflexions curieuses d’un esprit désintéressé sur les matiéres les plus importantes au salut, tant public que particulier, Cologne, 1678, in-12º. 2º Com o de La Clef du Sanctuaire. 3º E por fim, com o de Traité des cérémonies superstitieuses des juifs tant anciens que modernes, Amsterdam, 1678, in-12º.
Estes três títulos não provam que se tenha feito três edições deste livro. Com efeito, nunca houve mais do que uma. Mas o livreiro fez imprimir sucessivamente estes [três]*** diferentes títulos para enganar os inquisidores. [A respeito do autor da tradução francesa, as opiniões estão divididas.]**** Uns a atribuem ao senhor de Saint-Glain, autor da Gazzete de Amsterdam. Outros pretendem que seja o senhor Lucas, que se tornou célebre pelas Quintessences, sempre recheadas com novas invectivas contra Louis XIV. O que há de certo é que este último era amigo e discípulo do senhor Spinosa, e que é o autor desta Vida e da obra que a segue.
* Inserção de AT (Cf. Nota ao parágrafo 19, Op. Cit., p. 256).
** Esta parte entre colchetes somente em RW (nota na p. 137) e AT (nota na p. 256).
*** Termo entre colchete somente em AT (Nota p. 256).
**** Termos entre colchetes somente em RW (nota na p. 135-136).
[68] Esses esclarecimentos foram traduzidos para o francês e se encontram no fim do La Clef du Sanctuaire. Eles não estão em nenhuma edição latina desse livro. Há duas, uma in-4º, como nós indicamos na nota precedente, e a outra in-8º, a qual se acrescentou o tratado intitulado Philosophia S. Scripituræ interpres, que se pretende que seja o senhor Louis Meyer o autor. Estes dois tratados estão juntos sob o título Danielis Hensii [sic] Operum Historicorum Collectio, pars 1 e 2, in-8º, Ludg. Bat., 1673.
[69] NT: Este trecho entre colchetes está ausente em RW e TW.
[70] NT: Em RW e TW está “francs” (francos).
[71] NT: Estes termos somente em RW e TW.
[72] NT: Este trecho entre colchetes somente em AW, RW e VF.
[73] NT: Este trecho entre colchetes está ausente em RW e TW.
[74] NT: Somente em TW e RW.
[75] Somente em A (nota em RW, p. 117).
[76] NT: Em RW e TW está “francs” (francos).
[77] Vide supra.
[78] O senhor Simon de Vries.
[79] Não gastava seis soldos por dia, fazendo a média, e não bebia mais do que uma pinta de vinho ao mês.
[80] A seu irmão.
[81] NT: Em RW e TW este parágrafo 24 e esta primeira linha do parágrafo 25 são dados em nota separada do texto (p. 137-138 e p. 85-86, respectivamente).
[82] O senhor de Witt, pensionário* de Holanda.
* É o nome que se dava ao líder do poder executivo, nas Províncias Unidas no século XVII. Era ao mesmo tempo o líder da província da Holanda.
[83] NT: Estes termos entre colchetes estão ausentes em RW e TW.
[84] NT: Somente em RW e TW.
[85] NT: Somente em VRC e TP.
[86] Rom. XII, v. 1.
[87] Erasmo nas notas sobre esta passagem.
[88] NT: Somente em VF aparece no texto (nos demais está citado em nota).
[89] Alusão ao [É um livro que o autor fez em Latim, intitulado]* Tratado-Teológico Político, que foi traduzido ao francês com o título de Clef du Sanctuaire [Chave do Santuário]**.
* Não em A (Nota em RW e TW, p. 125).
** NT: Ver nossa nota supra.
[90] NT: Na verdade, muito provavelmente Spinoza não se casou por ser tísico desde muito cedo. E no século XVII, o primeiro tratamento da tísica era a total abstinência de qualquer forma de sexo.
[91] NT: Somente em RW e TW.
[92] NT: Somente em RW e TW.
[93] NT: Mais precisamente em 24 de novembro.
[94] NT: Somente em RW e TW (nos demais, citado somente em nota).
[95] NT: Todo este trecho não se encontra em RW e nem em TW (em VF está entre colchetes).
[96] NT: Em TP: “Essa passagem diz respeito, é bem provável, à guerra territorial com a França de Luís XIV e seus aliados, que começou em 1672 e terminou em 1678, com a assinatura do Tratado de Nimègue.” (Op. Cit., p. 54).
[97] NT: Isto não procede. Estas obras foram encontradas posteriormente.
[98] NT: Somente em RW e TW (nos demais, não é citado nem em nota).
[99] NT: Nome do cargo de Comandante militar das províncias Unidas, ocupado tradicionalmente pela Casa de Orange.
COMO CITAR ESTE TEXTO EM TRABALHOS ACADÊMICOS:
Para citar e/ou incluir este texto em Referências Bibliográficas de trabalhos acadêmicos (TCCs, monografias, dissertações, teses, etc.) deve-se adotar o modelo abaixo, conforme as normas da ABNT prescrevem (não esquecer de atualizar a data para a de seu acesso):
LUCAS, Jean Maximilian. A Vida e o espírito do senhor Benoit de Spinosa. Tradução de Emanuel Angelo da Rocha Fragoso. Disponível em: <http://benedictusdespinoza.pro.br/biografias-de-spinoza-lucas.html>. Acesso em: 06 mai. 2020. [Coloque a data em que acessou]
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LUCAS, Jean Maximilian. A Vida e o espírito do senhor Benoit de Spinosa. Tradução de Emanuel Angelo da Rocha Fragoso. Disponível em: <http://benedictusdespinoza.pro.br/biografias-de-spinoza-lucas.html>. Acesso em: 06 mai. 2020. [Coloque a data em que acessou]
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